Desaparecimentos forçados na Síria são crime contra a humanidade
Os raptos fazem parte de uma campanha de intimidação que foi usada como arma de guerra. Os desaparecidos são milhares.
A comissão, dirigida pelo jurista brasileiro Paulo Pinheiro, acaba de entregar o seu último relatório, onde acusa o regime de Bashar al-Assad de ter feito desaparecer muitas pessoas desde o início dos protestos pacíficos contra o Governo, em Março de 2011. Ninguém sabe quantos são; a comissão investigou mais de cem casos amplamente documentados mas acredita que são milhares – há mais de um ano, a Avaaz, uma rede global de campanhas de denúncia e apoio que trabalha com opositores sírios, identificou 18 mil nomes de desaparecidos e mais 10 mil sírios cujos nomes não pôde confirmar mas que disse saber estarem em centros de detenção secretos.
“Civis, na maioria homens adultos, foram raptados pelas forças de segurança sírias e por milícias pró-governamentais durante detenções em massa, perseguições nas suas casas, barreiras de estrada e nos hospitais”, denuncia a comissão criada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. “Os raptos têm muitas vezes um carácter punitivo, visando membros de famílias de desertores, de militantes, de combatentes e de pessoas que ofereciam cuidados médicos aos opositores”, lê-se no relatório da ONU.
Os raptos fazem parte de uma campanha de intimidação usada como arma de guerra, denunciam os investigadores, uma equipa de que faz parte a antiga procuradora internacional Carla del Ponte.
Há listas de casos sobre os quais se sabe muito, outras de suspeitos desaparecidos. Há corpos entregues às famílias com marcas de espancamento e tortura. Há muita gente cuja família nunca ousou queixar-se e com bons motivos: a ONU descreve como alguns sírios que foram procurar familiares desaparecidos acabaram por ser detidos e desaparecer também. “Na Síria, o silêncio e o medo são uma nuvem que ensombra os desaparecimentos forçados.”
Apesar de se tratar de uma campanha sistemática, “de natureza organizada”, a ONU diz que as autoridades não mantêm um registo dos nomes dos raptados nem dos que morrem quando estão detidos, o que torna muito mais difícil que muitas famílias venham a saber o que aconteceu aos seus desaparecidos.
O inquérito foi feito a partir dos testemunhos de desertores que já estão fora da Síria e das famílias dos desaparecidos. Estes crimes não prescrevem e os investigadores da ONU já têm duas listas confidenciais de crimes contra a humanidade – uma para os crimes do regime, outra para os da oposição – que não param de engrossar. Nessas listas estão os nomes das pessoas e das unidades que se acreditam ter estado por trás de cada atrocidade.
O nome de Razan Zeitouneh entrou há pouco tempo na longa lista de activistas desaparecidos. Razan, vencedora do Prémio Sakharov em 2011 com outras activistas das revoltas árabes, desapareceu no dia 10 de Dezembro nos arredores de Damasco, numa zona controlada por rebeldes mas actualmente cercada por forças do regime.
Segundo os Comités de Coordenação Local da revolução, com ela desapareceu o seu marido e activista Wael Hamada e ainda Samira Khalil e Nazem al-Hamadi. Todos trabalham para o Centro de Documentações e Violações, que Razan dirige – é a este centro que devemos, por exemplo, muitas das imagens que nos chegaram dos ataques com gás sarin que mataram mais de 1000 civis em Agosto – e há muito tempo que viviam escondidos.
Razan é um dos principais rostos da oposição e uma das fundadoras dos Comités de Coordenação Local. Razan, diz Lakhdar Brahimi, o enviado internacional para o conflito sírio, “deveria ter estado presente num encontro em Genebra” que esta quinta-feira juntou activistas para debater o papel das mulheres na crise síria.