"Crimeia será sempre uma parte inseparável da Rússia", afirma Putin
Presidente russo discursa perante o Parlamento e assina acordo de integração com os actuais líderes da Crimeia.
Num discurso repleto de exaltações patrióticas e de acusações ao "auto-intitulado" governo de Kiev, aos Estados Unidos e à União Europeia, Putin tratou de selar aquilo que já se tornara inevitável nos últimos dias: a Crimeia voltou à Rússia.
Antes de iniciar o seu discurso, Vladimir Putin dirigiu-se aos membros das duas câmaras do Parlamento russo (o Conselho da Federação e a Duma) e pediu "uma salva de palmas" para a Crimeia.
Para enquadrar as palavras que se seguiriam, o Presidente russo salientou a importância da Crimeia para a Rússia, depois de ter sido recebido com uma ovação em pé. "Este assunto tem uma importância vital, uma importância histórica para todos nós", disse Putin, depois de ter afirmado que o referendo de domingo decorreu "em total acordo com os procedimentos democráticos e com as normas legais internacionais".
Seguiram-se anúncios sobre o futuro da Crimeia e condenações ao governo provisório da Ucrânia, numa declaração que torna cada vez mais a integração da Crimeia na Federação Russa como um facto consumado, que não se vê nesta altura de que forma poderá ser contrariado – na segunda-feira, Putin reconheceu a independência da Crimeia, e já nesta terça-feira aprovou uma ordem executiva que dá início à sua integração na Federação Russa e assinou o acordo com o primeiro-ministro e com o presidente do Parlamento Crimeia, Sergei Aksionov e Vladimir Konstantintinov (presente na cerimónia esteve também Alexei Chalii, presidente da Câmara de Sevastopol).
Putin tratou também de negar as acusações de que a Rússia poderá estar a preparar-se para invadir outras regiões da Ucrânia. "Não acreditem nos que tentam assustar-vos com a Rússia e que dizem que outras regiões vão seguir-se à Crimeia. Não queremos a fragmentação da Ucrânia. Não precisamos disso", afirmou.
Três línguas oficiais na Crimeia
Apesar das acusações ao governo interino da Ucrânia, o Presidente russo afirmou que as relações do seu país com o "povo amigo" da Ucrânia terão sempre uma "importância crucial".
Mais do que tentar tranquilizar as minorias da Crimeia (principalmente ucranianos e tártaros), que receiam pelo seu futuro no seio da Federação Russa, Vladimir Putin quis conquistar o seu apoio, com o anúncio de uma decisão sobre um tema que já se revelou ser crucial para o desenvolvimento da situação no terreno – a futura Crimeia, integrada na Federação Russa, terá como línguas oficiais não só o russo, mas também o ucraniano e o tártaro.
O anúncio de Putin surge como uma resposta ao sentimento que foi criado em finais de Fevereiro, quando o Parlamento da Ucrânia votou a favor da revogação da lei de 2012 que permitia a cada região definir outras línguas oficiais para além do ucraniano, desde que fossem faladas por mais de 10% da população.
Essa revogação (que surgiu logo após a destituição do Presidente Viktor Ianukovich) foi vetada pelo Presidente interino, Oleksandr Turchinov, mas o mal já estava feito. Na altura, Turchinov disse que a lei ainda em vigor "não é equilibrada", mas explicou que vetou a sua alteração por considerar que não protegia todas as línguas.
Com esta questão ainda em aberto, Vladimir Putin aproveitou para voltar a agitar o fantasma da perseguição à população russófona da Ucrânia, afirmando nesta terça-feira que "as auto-intituladas autoridades ucranianas aprovaram uma lei escandalosa sobre as línguas, que violou os direitos das minorias".
Para se perceber a importância da questão da língua, o primeiro-ministro interino da Ucrânia, Arsenii Iatseniuk, viu-se obrigado a tentar tranquilizar os habitantes das regiões ucranianas de maioria russa, no Sul e nas proximidades da fronteira com a Rússia. "O Presidente em exercício, Oleksandr Turchinov – que, já agora, nasceu em Dnepropetrovsk [cidade de maioria russa] –, tomou a decisão de manter em vigor a lei das línguas adoptada em 2012, com o meu total apoio enquanto primeiro-ministro da Ucrânia. Esta lei ainda está em vigor", frisou Iatseniuk numa comunicação ao país através da televisão, nesta terça-feira.
"Neonazis e anti-semitas"
Quase ao mesmo tempo, em Moscovo, Vladimir Putin voltava a salientar a ligação afectiva entre a Rússia e a Crimeia. "Nos corações e nas mentes do povo, a Crimeia sempre foi e será sempre uma parte inseparável da Rússia. Este compromisso, baseado na verdade e na justiça, é firme, e passou de geração em geração", disse Putin perante os membros das duas câmaras do Parlamento russo.
Depois, virou-se para Kiev – reforçando o tom de inevitabilidade da integração da Crimeia na Rússia – e disse que "as relações com a Ucrânia e com o povo irmão ucraniano foram sempre, continuam a ser e serão sempre de uma importância crucial, sem quaisquer exageros".
Mas a mensagem para o governo provisório da Ucrânia caminhou no sentido oposto, como já se esperava. Foram os actuais "auto-intitulados" governantes ucranianos que abriram as portas aos "extremistas", disse o Presidente russo, que descreveu as autoridades de Kiev como "nacionalistas, neonazis, anti-russas e anti-semitas".
"Os que estiveram por detrás dos recentes acontecimentos andaram a preparar mais um golpe de Estado. Planearam tomar o poder de assalto, sem olhar a nada. Houve perseguições, terror e assassinatos. São eles que estão a tomar decisões sobre a vida dos ucranianos", acusou Vladimir Putin.
Em relação às sanções anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia – cujo impacto tem sido desvalorizado em Moscovo –, o Presidente russo disse que iriam ter uma resposta, já que as entende como um acto de agressão.
Durante o seu discurso, Putin acusou os Estados Unidos e a União Europeia de terem dois pesos e duas medidas, dando como exemplo a independência do Kosovo. "Não se pode dizer uma coisa hoje e outra amanhã", acusou o Presidente russo, dizendo ainda que os países ocidentais tiveram um comportamento "irresponsável" na questão da Ucrânia.
Numa jogada política que poderá embaraçar a China e ainda mais a Alemanha, Putin agradeceu a Pequim o seu "apoio" (apesar de o Governo chinês ter dito apenas que desejava uma solução pacífica, sem fazer referências à legitimidade do referendo na Crimeia), e disse acreditar que Berlim irá defender "o desejo de reunificação do povo russo".