Crianças com deficiências fechadas em jaulas de instituição na Grécia
São alimentados através das grades, deitam-se em colchões forrados a plástico, vestem macacões de ganga. Lechaina fica na Europa e os responsáveis usam a crise para justificar a desumanidade.
“Tudo é feito para que sobrevivam, sem se magoarem e sem dar o mínimo de chatice”, comenta Catarina Neves, uma psicóloga portuguesa que fez voluntariado no centro de Lechaina em 2008.
Nessa altura, um grupo de dez voluntários internacionais, que estiveram no local através do serviço de voluntariado europeu, fizeram uma campanha para chamar a atenção para o que se passava no centro. Fizeram queixas a todas as entidades que conseguiram, escreveram um blogue. O primeiro efeito prático foi que o centro deixou de receber voluntários.
Entretanto, o provedor das crianças grego criticou as condições do centro e disse que contrariavam os direitos humanos básicos. A responsabilidade anda a mudar do Ministério da Saúde, que foi quem respondeu pelo centro em 2011, na altura deste relatório, e o Ministério dos Serviços Sociais, que é quem é hoje apontado como responsável.
Nestes cinco anos, houve duas mudanças, aponta uma reportagem da semana passada da BBC: as barras de madeira das jaulas foram pintadas de cores mais alegres, E há duas meninas que vão à escola. De resto, continua tudo na mesma.
Catarina descreve: o edifício tem três pisos. No primeiro estão os residentes que têm alguma autonomia; são entre 20 e 30 e passam o dia numa sala, juntos, embora sem qualquer tipo de distracção ou actividade. À noite são metidos nas suas jaulas. Os restantes estão divididos nos outros dois pisos, e estão sempre dentro das suas jaulas, excepto quando passam uma meia hora cá fora com um dos funcionários, o que acontece cerca de duas vezes por semana.
Abandonados
São alimentados com colheradas através das grades (porque se os funcionários entram dentro da jaula para os alimentar podem-se sujar com a comida, e têm de ir lavar a roupa de seguida, lembra Catarina). Recebem dois sumos por dia. “Tentámos que lhes dessem água, mas responderam que não havia copos suficientes e que eles não podiam beber todos do mesmo copo”, comenta Catarina.
Deitam-se em colchões forrados a plástico – não há lençóis porque um dos residentes morreu ao comer tecido, são vestidos com macacões de ganga com um fecho atrás, para que não possam tirar bocados. A casa de banho são as fraldas, que os poucos funcionários mudam.
Quem lá vive foi abandonado. Durante os oito meses em que esteve no centro, Catarina viu apenas uma visita: um pai que foi ver um filho. “Disseram-me que vai lá duas vezes por ano.”
Catarina Neves conta como inicialmente ficou chocada com a atitude de quem trabalha neste centro, tratando tudo como normal. Mas ao sair não conseguiu “apontar o dedo a ninguém”. São seis funcionários para 70 pessoas. Os directores rodam – a actual já não é a que Catarina conheceu. Vítima dos cortes, a actual directora, Gona Tsoukala, não recebe salário há um ano. Explica à BBC: "Obviamente não devíamos ter as jaulas mas é impossível não as ter com tão pouco pessoal no centro”.
Mas Catarina não culpa a crise pela situação que se vive no centro. “Penso que o problema é sobretudo cultural”, diz. “Porque há residentes que tomam 30 comprimidos por dia para estarem calmos, e os comprimidos são caros”, argumenta. E na Grécia há um problema com a aceitação de pessoas com deficiência. “Há casos ali em que os pais e os funcionários das maternidades disseram às mães que os filhos morreram e deixaram-nos aqui.”
Chamar a atenção
Apesar de longe da Grécia, Catarina continua ainda a fazer campanha e a divulgar a situação dos residentes neste centro. “Sei que para mudar era preciso muito, mas gostava que pelo menos não continuassem a mandar pessoas para lá. Há pessoas a viver neste sítio há 20 anos.” E “há lá pessoas que poderiam ter a possibilidade de ter uma vida diferente”.
A maioria dos que estão dados como incapazes não têm limitações físicas. Poderiam fazer uma vida muito mais activa se tivessem alguns cuidados. O facto de não saírem, não terem estímulos, é que os deixa naquele estado. “Em Espanha há pessoas com síndrome de Down a estudar.”
Para Catarina Neves, o mais importante era assegurar que quem trabalha no centro tem formação para lidar com pessoas com deficiência, já que os que lá trabalham hoje não têm, e não querem trabalhar ali. Isso seria o início para, pelo menos, mudar o foco da mera sobrevivência das pessoas com o mínimo de problemas para os funcionários.
Mas a questão só fica sob os holofotes uns instantes, para depois desaparecer. Foi assim em 2008, em 2011, e agora, com a reportagem da BBC, uma crítica da Human Rights Watch e uma petição. “No início tínhamos dez antigos voluntários activos” a fazer campanha pela melhoria das condições no centro. “Agora somos duas.”