A sós na cabine, co-piloto lançou deliberadamente o avião contra as montanhas
Não se sabem as razões que levaram o alemão Andreas Lubitz, de 27 anos, a trancar-se no cockpit e a precipitar o avião contra as montanhas dos Alpes. Só e em silêncio, ignorou os apelos do comandante e operadores aéreos.
Não foram ainda avançadas as razões que poderão ter levado Lubitz a provocar deliberadamente a colisão, mas os investigadores estão certos de que esta partiu de uma “acção voluntária”. O co-piloto “quis destruir o avião”, disse ao final da manhã desta quinta-feira Brice Robin, o procurador-geral de Marselha, numa conferência de imprensa.
Uma conclusão que a operadora aérea sustentou passadas algumas horas. “Somos forçados a concluir que o avião foi deliberadamente despenhado”, afirmou aos jornalistas Carsten Spohr, CEO da Lufthansa, a operadora alemã que detém a low cost Germanwings.
As autoridades francesas recusam-se, por enquanto, a associar a acção de Lubitz a um “acto de terrorismo”, ou até a suicídio, embora esta pareça ser até agora a tese mais provável. “Não posso chamar-lhe suicídio, mas essa é uma pergunta legítima”, disse aos jornalistas o procurador-geral de Marselha, Brice Robin. Também a operadora alemã se recusou a avançar o móbil por trás das acções de Andreas Lubitz, afirmando que, até ao momento, a sua decisão “é totalmente incompreensível”.
Os últimos 30 minutos gravados no interior da cabine do avião contam a história do desastre e sustentam a tese apresentada pelas autoridades francesas e operadoras alemãs: o co-piloto aproveitou a saída do piloto principal para se trancar no cockpit e deixar cair o avião contra as montanhas.
De acordo com a análise aos sons da cabine, os pilotos tiveram uma conversa normal durante 20 minutos, até que o comandante saiu do cockpit para ir à casa de banho. Foi nesse momento que Lubitz acelerou a descida do avião em direcção ao solo. Isto aconteceu através do manuseamento dos controlos do avião pelo co-piloto: é por essa razão que as autoridades dizem que foi uma acção “voluntária”. Quando o comandante tentou novamente entrar na cabine, Lubitz recusou-lhe o acesso.
"Carregou num botão", repetidamente
"Creio que ele [o co-piloto] se recusou a abrir a porta e carregou num botão para que o avião descesse. Foi uma acção voluntária do co-piloto", afirmou o procurador-geral de Marselha. O botão em causa é um mecanismo que faz com que o avião inicie um processo de descida de altitude. Este mecanismo terá sido repetidamente accionado, uma vez que a aeronave perdeu altitude a uma velocidade média de 1000 metros por minuto.
Durante os dez minutos que o avião demorou a descer e a embater nas montanhas, Lubitz ignorou chamadas dos controladores aéreos e os gritos do piloto no exterior do cockpit. Lubitz não proferiu nenhum som durante esse período, mas a sua respiração era audível, disse o procurador, indicando assim que o co-piloto esteve vivo até ao momento do impacto.
“Silêncio absoluto no cockpit. Nada, nem uma palavra durante os últimos dez minutos”, afirmou aos jornalistas o procurador-geral de Marselha. Os últimos sons gravados foram os gritos da tripulação do lado de fora da cabine.
Brice Robin reiterou que não são conhecidas quaisquer ligações de Andreas Lubitz, o co-piloto, a terroristas. “Ele não é conhecido como um terrorista, absolutamente não”, afirmou.
Andreas Lubitz fazia parte da operadora low cost Germanwings desde Setembro de 2013 e recebera um certificado da norte-americana FAA (Federal Aviation Administration). Lubitz fez o seu treino em aviação na Lufthansa, a empresa que detém por inteiro a Germanwings, e tinha 630 horas de experiência de voo.
Origem no 11 de Setembro
Os procedimentos de segurança que permitiram que Andreas Lubitz se trancasse a sós na cabine tiveram origem depois dos ataques do 11 de Setembro. Desde então que o acesso ao cockpit se tornou impossível para alguém no exterior. Este procedimento foi explicado por Carsten Spohr, o CEO da Lufthansa, ao longo da conferência de imprensa do início da tarde desta quinta-feira.
Quando alguém abandona o cockpit, a porta tranca-se automaticamente e, a partir desse momento, a cabine fica inacessível a partir do exterior, de maneira a impedir que alguém ataque os pilotos.
A Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA) foi uma das organizações que chamou a atenção para os riscos destas medidas. O comandante Miguel Silveira, presidente da APPLA, diz que as portas reforçadas, que são trancadas por dentro, foram pensadas para travar uma ameaça externa ao cockpit. “Se a ameaça vem do interior, esta medida não serve. A mesma porta que protege os pilotos protege os piratas”, diz. “É algo que, no mínimo, carece de revisão”, completa.
Para regressar à cabine, o comandante teria de pedir a Lubitz que destrancasse a porta. Em condições ideais, a entrada só é permitida depois de se verificar quem está a pedir o acesso ao cockpit – através de uma câmara que transmite imagens para o interior.
Lubitz não terá dado essa autorização. “O piloto bate levemente à porta, mas não há nenhuma resposta”, disse o procurador-geral de Marselha. O comandante tenta depois bater “com mais força”, sem resposta. “Pode-se ouvir que ele [comandante] está a tentar deitar a porta abaixo”, disse Brice Robin. “Sempre sem resposta”, acrescenta.
Há um mecanismo de segurança para o caso de ocorrer algum problema com quem esteja a sós na cabine. Nesses casos, existe um código de segurança que pode ser introduzido no exterior e que, passado meio minuto, abrirá a porta do cockpit, caso não exista nenhuma resposta do interior.
Mas este acesso pode ser impedido por quem estiver dentro da cabine. Carsten Spohr afirma que ainda não se sabe se foi esse o caso. Contudo, para a operadora aérea é evidente que Lubitz impediu o acesso do comandante à cabine. “O co-piloto não permitiu que o comandante regressasse ao cockpit”, disse o CEO da Lufthansa.
As regulações europeias não exigem que alguém acompanhe um piloto ou co-piloto, caso este fique a sós na cabine, como é obrigatório nos EUA. Questionados sobre se a Lufthansa ou a Germanwings têm planos para alterarem as suas regras de segurança, os responsáveis das operadoras nada disseram.
Lubitz passou “todos os testes”
“A nossa ética de trabalho é a de que não basta ter-se o treino apropriado, mas é também necessário estar psicologicamente apto.” Esta foi uma garantia que o CEO da Lufthansa se esforçou por tornar claro ao longo da conferência de imprensa desta quinta-feira. E Andreas Lubitz não é excepção. “Considerou-se que ele estava apto a 100 por cento em todas as áreas”, afirmou Carsten Spohr.
Para além do treino que teve na Lufthansa, Andreas Lubitz foi ainda credenciado pela norte-americana FAA (Federal Aviation Administration). Uma certificação que obedece aos mais altos critérios, como diz a própria FAA no documento em que aprova Andreas Lubitz. “Os critérios da FAA, estabelecidos em contacto com a indústria de aviação e com o público, encontram-se entre os mais elevados no mundo”, lê-se no registo disponibilizado online.
Mas surgiu um ponto que despertou o interesse dos jornalistas à medida que a Lufthansa explicava o percurso de Andreas Lubitz: o co-piloto interrompeu o programa de treino na operadora alemã durante “alguns meses”, tendo sido mais tarde readmitido.
Carsten Spohr afirmou que não tem ao seu dispor as razões que levaram a essa interrupção e disse também que para que Lubitz fosse readmitido, este terá tido de justificar a sua ausência. No caso de essa ausência ter sido causada por razões de saúde, por exemplo, os documentos estarão inacessíveis por sigilo.