Como “Bibi” deixou de ser “rei de Israel”
Netanyahu ignorou os protestos populares em 2011 e acreditou que se manteria no poder com uma confortável maioria de direitistas e ultra-ortodoxos. Foi surpreendido com um empate que o obriga a ponderar uma aliança com o “centro-esquerda”.
A aliança Likud-Yisrael Beiteinu, formada entre Netanyahu e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, mantém-se no Parlamento, mas com menos deputados – desceu de 42 de um total de 120 para 31 –, e será forçada, provavelmente, a formar uma coligação com o chamado “centro-esquerda”, graças ao surpreendente segundo lugar (19) do partido Yesh Atid (“Há Um Futuro”), de Yair Lapid. Em terceiro, ficaram os trabalhistas, de Shelly Yachimovitch (15). Na quarta posição, colocaram-se os ultra-religiosos mizrahim (judeus de origem no Médio Oriente e Norte de África) do Shas, que consideraram “um milagre” os seus 11 deputados face ao descalabro dos seus parceiros de governo.
Ao contrário do que previam todas as sondagens (jamais fiáveis em Israel), o Habayit Hayehudu (“Casa Judaica”), do milionário, ex-dirigente dos colonos e antigo major de elite Naftali Bennett, ficou em 5º lugar e não em 3º, mas subiu de cinco para 11 deputados a representação parlamentar do antigo Mafdal, ou Partido Religioso Nacional, que ele refundou o Novembro de 2012.
O Kadima, de Shaul Mofaz, deixou de ser o maior bloco – de 28 lugares restaram-lhe dois. O Meretz (esquerda sionista) duplicou o número de deputados para seis. O Hatnuah (“Movimento”, centro-direita), da ex-chefe da diplomacia Tzipi Livini que antes pertenceu ao Likud e ao Kadima, teve apenas seis assentos – previa 15 a 17. Quanto aos partidos onde predominam os palestinianos de cidadania israelita e que reclamam um “Estado de todos os cidadãos e não um Estado judaico”: a Lista Árabe Unida- Ta’al, subiu um lugar, para cinco; o Hadash e o Balad retiveram os seus quatro e três lugares, respectivamente.
Uma das grandes esperanças da esquerda não sionista, a palestiniana Asma Agbaria-Zahalka, do Partido dos Trabalhadores Da’am (que inclui judeus e árabes), não conseguiu ultrapassar o limiar de 2% dos votos. Teria feito história como primeira mulher e primeira árabe a liderar um partido no Knesset.
“Só em Israel um político ganha perdendo”, observou o analista judeu norte-americano Jeffrey Goldberg, na sua coluna no site Bloomberg. Lapid será agora o fiel da balança, embora a senhora Yachimovitch já o tenha desencorajado a juntar-se a Netanyahu. Talvez, para que ela própria (sob pressão do partido para se demitir), possa manter-se na liderança, face ao resultado “desencorajador” (como assumiu) dos trabalhistas.
Perante o empate 60-60 no Knesset, comentadores como Ali Gharib, no Daily Beast, admitem a possibilidade de o Presidente, Shimon Peres, por alguns considerado “a verdadeira força da oposição”, optar por escolher o campo do “centro-centro” para formar uma coligação, se Netanyahu estiver mais inclinado a formar governo com Bennett, o Shas e outros religiosos.
Seja qual for a solução, prevêem-se negociações difíceis nas próximas seis semanas – o prazo para formar nova coligação. O sistema eleitoral israelita, concebido após a criação do Estado em 1947, para que todos, grandes e pequenos, tivessem voz, não permite governos maioritários. Os potenciais primeiros-ministros são, assim, obrigados a regatear como comerciantes de bazar. Especula-se que “Bibi” possa oferecer os Negócios Estrangeiros a Lapid, retirando esta pasta a Lieberman, o imigrante russo com processos judiciais em curso.
Lapid é uma antiga estrela do jornalismo televisivo, filho de um veterano da política israelita profundamente secular. O seu pai, Tommy, estava em permanente colisão com os ultra-ortodoxos, e é natural que a nova estrela que ofuscou Bennett mantenha a promessa de acabar com a isenção do serviço militar obrigatório dos mais religiosos (algo que Bibi” foi incapaz de impor). Embora inicialmente se manifestasse “a favor da paz, Yair fez campanha nos colonatos, defendendo o controlo sobre a maioria destas comunidades judaicas na Cisjordânia, e opondo-se a uma partilha da soberania de Jerusalém com os palestinianos – os grandes ausentes destas eleições. Muitos analistas locais vêem-no como uma personalidade ambiciosa e maleável que Netanyahu facilmente manipulará.
E será fácil de manipular porque não são os palestinianos – os grandes ausentes da campanha apesar dos recentes combates com o Hamas na Faixa de Gaza – o que mais preocupa os israelitas. Há 18 meses, o país, que era o mais próspero do Médio Oriente, foi assolado por gigantescos protestos, sobretudo em Telavive e em Jerusalém. Entre as várias reivindicações de milhares de manifestantes estavam, designadamente, o fim da subida de impostos e a descida dos preços das casas, que registaram um salto recorde de 40% durante o mandato anterior de Netanyahu.
No seu Relatório Anual da Pobreza 2012, a organização israelita Latet, que ajuda os mais desfavorecidos, apresenta elementos perturbadores: “metade das crianças de famílias carenciadas” (são sobretudo haredim ou ultra-religiosos e palestinianos de cidadania israelita) foram obrigados a deixar a escola e a trabalhar para subsistir; só 4% dos idosos com subsídios do Estado “conseguem viver com dignidade”; 15% da população teve de procurar um segundo emprego para aumentar o salário mensal; 18% precisaram de contrair empréstimos bancários, sobretudo para a habitação, cujos preços aumentaram mais de 40%. Tendo concentrado todas as energias no campo da segurança, Netanyahu descurou este flanco e foi agora penalizado pelos eleitores.
Para Jeffrey Goldberg, acabou-se o reinado de “Bibi”, a figura arrogante que contratou estrategas eleitorais americanos e se fez fotografar ao lado do actor de filmes violentos Chuck Norris, para enfatizar a sua fama de “falcão”. Para os editorialistas do diário Ha’aretz, “Netanyahu é um homem do passado” que “perdeu na esfera política [doméstica], na esfera política externa e na esfera socioeconómica” . Com Israel perante um período de “incerteza”, o seu fracasso como líder “coloca em dúvida se ele se manterá no poder”.