Comissão Europeia considera adesão da Grécia ao euro “irrevogável”

Liderança alemã terá feito saber que considera “possível gerir” saída da Grécia. Comissão Europeia pôs água na fervura. Sondagem confirma vantagem do Syriza e mostra que esmagadora maioria dos gregos quer o país no euro “a todo custo”.

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A forma de lidar com a dívida externa é uma das questões centrais das legislativas gregas Alkis konstantinidis/Reuters

A “pertença ao euro é irrevogável”, disse a porta-voz da Comissão Annika Breidthard, na resposta a uma questão sobre a possível saída da Grécia da moeda única, em que invocou o Tratado de Lisboa, mais concretamente o parágrafo 3 do artigo 140.º. A passagem mencionada refere-se à adesão ao euro. E não prevê qualquer mecanismo de saída.

“Não vamos entrar em especulações e em cenários que possam ser interpretados num contexto que não se coloca”, acrescentou, no entanto, outra porta-voz, Margaritis Schinas, citada também pela AFP.

As especulações, e o espectro de uma saída da Grécia do euro, voltaram depois de uma notícia não desmentida da revista Der Spiegel, encarada como uma pressão sobre os eleitores gregos e que teve reflexos negativos no euro e nos mercados bolsistas europeus, com perdas mais acentuadas em Atenas, que esta segunda-feira caiu 5,63%.

A notícia, de sábado, citava “fontes próximas do governo” alemão segundo as quais Angela Merkel via como “quase inevitável” uma saída da Grécia, no caso de um governo do Syriza “abandonar a linha de rigor orçamental e deixar de pagar as dívidas”. A edição online da revista acrescenta que a chanceler pensa que a saída seria “possível de gerir”. “O risco de contágio a outros países é limitado, porque Portugal e a Irlanda estão reabilitados”, segundo as mesmas fontes.

Mas essa não é, por exemplo, a opinião de Peter Bofinger, conselheiro económico do governo alemão, que alertou para o risco de uma "Grexit" – saída da Grécia do euro. “Haveria muitos riscos para a estabilidade da zona euro”, disse ao diário Die Welt. “Deixaria o génio sair da garrafa e seria difícil controlar a situação.”

A imprensa alemã não hesitou em considerar que Merkel e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schauble, estão a tentar pressionar os eleitores gregos e o próprio Syriza, que lidera as intenções de voto, com uma vantagem de 3,1% sobre a Nova Democracia, o partido conservador do primeiro-ministro cessante, Antonis Samaras. O que não é novo em si. Logo que se confirmou a antecipação das eleições, Schauble tinha dito que, na Grécia, “as difíceis reformas produziram frutos e não têm alternativa”.

O Die Welt, próximo dos democratas-cristãos de Merkel, escreveu que “o cenário de ameaça" transmitida pela notícia da Spiegel é um envolvimento na campanha grega “extremamente arriscado" e que "é um erro” que pode contribuir para ajudar o Syriza a chegar ao governo e levar a uma corrida aos bancos.

No seio da coligação governamental alemã surgiram vozes de reprovação. O vice-chanceler e ministro da Economia, Sigmar Gabriel, líder dos sociais-democratas, parceiros do executivo Merkel, disse que “o objectivo do governo alemão, da União Europeia e do governo de Atenas é manter a Grécia no euro” e que “não houve e não há planos para o contrário”.  

Na resposta oficial aos pedidos de esclarecimento que se seguiram à notícia da Spiegel um porta-voz do governo alemão não confirmou nem desmentiu nada. “A Grécia cumpriu as suas obrigações no passado. O governo alemão parte do princípio de que a Grécia vai continuar, no futuro, a cumprir as obrigações para com a troika”, disse apenas, citado pela AFP.

A dúvida que sobra é se o artigo foi apenas uma forma de pressão sobre a Grécia ou se Merkel considera efectivamente o cenário de uma "Grexit".

Hollande lembra compromissos
Mas não é só a Alemanha que tem feito pressões mais ou menos assumidas e que já levaram o Syriza a falar de uma “operação de terror”. Mais directo, o Presidente checo, Milos Zeman, afirmou numa entrevista que a Grécia deveria sair do euro.

Sem querer comentar a posição atribuída a Merkel, o Presidente francês, François Hollande, afirmou que “os gregos são livres de decidir o seu destino”, mas sublinhou que os compromissos assumidos no seio da União Europeia devem ser respeitados. “Quanto à pertença da Grécia à zona euro, é a Grécia que tem de decidir”, declarou, numa entrevista à rádio France Inter.

Apesar das declarações feitas em Bruxelas pelas porta-vozes, a Comissão Europeia tem deixado claras, nas últimas semanas, as suas preferências sobre o que está em jogo na Grécia. O presidente, Jean-Claude Juncker, já tinha dito que prefere ver “caras conhecidas” no novo governo de Atenas e não “forças radicais”. E o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, apelou aos eleitores, logo no dia em que foi confirmada a realização de legislativas antecipadas, para apoiarem reformas “favoráveis ao crescimento”.

O Syriza congratulou-se com a declaração desta segunda-feira da Comissão. O partido entende que o crescimento só será possível com uma “moratória” da dívida que permita investir no relançamento da economia e garante que tenciona manter a Grécia na União Europeia e no euro, após uma renegociação dos compromissos. O seu líder, AlexisTsipras, considera que uma vitória sua será o início de uma “mudança necessária” na Europa.

A crer na mais recente sondagem, uma maioria dos eleitores gregos reconhece-se nas propostas de Tsipras. São 30,4% os que tencionam votar Syriza contra 27,3% que declaram escolher a Nova Democracia, o partido que tem aplicado as políticas de austeridade – uma margem mais estreita do que os 3,4% de um estudo feito há um mês pela mesma empresa, a Rass.

A sondagem, divulgada pela edição de domingo do jornal Eleftheros Typos, foi realizada já depois de, no dia 29 de Dezembro, o Parlamento ter falhado a eleição de um novo Presidente da República – facto que precipitou as legislativas. E tem um outro dado muito relevante: 74,2% dos gregos declaram querer ficar na zona euro “a todo custo”.

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