Combates na Ucrânia fazem mais de 40 mortos
Obus atingiu um autocarro que circulava na cidade, matando pelo menos oito civis. Rebeldes reivindicam controlo do aeroporto e Poroshenko garante que vão "pagar caro".
O ataque volta a sublinhar o preço pago pelos civis num conflito que, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), provocou, desde Abril, mais de cinco mil mortos e dez mil feridos. “A situação está a piorar verdadeiramente. Vemos um número crescente de vítimas civis”, disse a uma rádio ucraniana Michael Bociurki, porta-voz da missão da OSCE no país.
São poucas as informações sobre o ataque em Donetsk, principal bastião dos separatistas pró-russos, mas testemunhas contam que o autocarro eléctrico seguia cheio de passageiros quando foi atingido por um obus. Um operador de imagem da Reuters diz ter contado seis cadáveres entre os destroços, mas a morgue local diz ter recebido oito corpos, Já a autarquia local adiantou à AFP que a explosão matou 12 passageiros e o condutor de um automóvel que circulava nas imediações, o que faria deste ataque o mais sangrento a visar civis desde acordo de cessar-fogo assinado em Setembro.
“Vi pessoas mortas no chão, mulheres feridas a gritar por ajuda”, contou a um correspondente do jornal britânico Guardian um homem de 74 anos que vive num edifício junto ao local da explosão e que, à semelhança de toda a vizinhança, ficou com as janelas estilhaçadas.
De imediato, o Ministério da Defesa ucraniano atribuiu o disparo aos rebeldes separatistas, afirmando que as forças governamentais mais próximas estão situadas a 15 quilómetros do local, e o primeiro-ministro ucraniano, Arseni Iatseniuk, responsabilizou a Rússia pelo sucedido, acusando-a de continuar a apoiar, com armas e soldados, as forças rebeldes. Moscovo respondeu, atribuindo o ataque ao Exército ucraniano. “Encaramos este incidente como um crime contra a humanidade, uma provocação grosseira para minar os esforços para encontrar uma solução pacífica para o conflito”, lê-se num comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, em que se pede à OSCE que lidere uma investigação independente ao ataque.
A explosão aconteceu pouco depois de Kiev ter confirmado que retirou as suas forças do novo terminal do aeroporto internacional de Donetsk, a principal posição que ocupavam na zona. Os rebeldes afirmam que controlam toda a infra-estrutura – agora pouco mais do que um amontoado de destroços –, mas um porta-voz militar disse que os “combates prosseguem nos arredores”.
Apesar de estar praticamente destruído, o aeroporto internacional assumia um valor simbólico elevado – foi ali que se travaram algumas das principais batalhas nos últimos meses e representava para Kiev uma presença forte próxima do bastião separatista de Donetsk – e o recuo do Exército ucraniano é visto como um grande revés. O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, convocou uma reunião de emergência do Estado-Maior para estudar formas para "reagrupar as Forças Armadas para responder à agressão russa", como apelidou.
Unindo as duas frentes, os separatistas fizeram desfilar ao início da tarde duas dezenas de soldados ucranianos que capturaram no aeroporto até ao local onde ocorreu a explosão. Um jornalista da AFP que assistiu à cena, conta que os militares foram insultados e atingidos por pedras e pedaços de vidro enquanto caminhavam cabisbaixos.
Há também notícias de intensos combates nos arredores de Lugansk, a outra grande cidade do Leste que em Abril se rebelou contra Kiev, um dia depois de o Governo ucraniano ter acusado forças regulares russas de terem lançado um ataque directo contra as suas tropas na região.
Poroshenko garantiu que os separatistas pró-russos vão "pagar caro" pelos mais recentes ataques, deixando antever o lançamento de novas ofensivas do Exército ucraniano e um novo ciclo de violência nos próximos dias.
Diplomacia sob ataque
Desenvolvimentos que boicotam à partida o “modesto avanço diplomático” anunciado quarta-feira à noite em Berlim, após uma reunião que juntou os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha. No final do encontro, o chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier, revelou que se tinha chegado a um acordo sobre a linha de demarcação que deveria separar o Exército de Kiev das forças separatistas pró-russas.
Esta divisória estava prevista no acordo de cessar-fogo concluído em Setembro em Minsk, mas apesar da acalmia registada nos meses seguintes nunca houve um consenso sobre a sua aplicação. Em Berlim ficou de novo afirmado que, para garantir um cessar-fogo eficaz, tanto o Exército como os rebeldes devem fazer recuar o seu armamento pesado 15 quilómetros em relação àquela linha. Premonitório, Steinmeier reconheceu, no entanto, que caberia aos beligerantes decidir se aquilo que foi acordado “se limita a ficar impresso em papel ou pode alterar a situação no terreno”.
No final da reunião, houve o consenso necessário para divulgar um comunicado em que os quatro ministros dos Negócios Estrangeiros dizem assistir com “grande preocupação” à escalada militar na região. “Esta situação tem de parar imediatamente e a calma tem de ser restaurada”, lê-se na declaração, onde fica também claro que a cimeira que chegou a estar marcada para Astana, no Cazaquistão, entre os Presidentes da Rússia e da Ucrânia, só será remarcada se o armamento pesado for retirado da frente de combates e o cessar-fogo for respeitado.
Mas as horas anteriores já se tinham provado pouco auspiciosas. De visita a Davos, na Suíça, o Presidente ucraniano assegurou quarta-feira que Moscovo tem nove mil soldados a combater ao lado dos separatistas. Uma acusação de imediato desmentida pelo ministro russo dos Negócios Estrangeiros: “Onde estão as provas?”, perguntou Serguei Lavrov aos jornalistas que lhe pediram uma reacção.
E o secretário de Estado norte-americano acusou os separatistas de “anexação flagrante” de zonas que não estavam até aqui sob o seu controlo no Leste do país. John Kerry disse que Washington está “particularmente preocupado” com as tentativas dos rebeldes pró-russos para se apoderarem de “um importante nó ferroviário” no Leste da Ucrânia, que separava até agora as duas frentes.