Com a suspensão da ajuda dos EUA, a oposição síria está cada vez mais marginalizada

A um mês da conferência de paz, EUA e Reino Unido suspenderam temporariamente o apoio aos rebeldes. Os moderados, próximos dos países ocidentais, contam cada vez menos no terreno.

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Os rebeldes sírios enfrentam crescentes dificuldades no terreno Khalil Ashawi /Reuters

Há meses que a vida no Norte da Síria se faz de avanços e recuos. Os combates não dão tréguas, os civis fogem, de um sítio para o outro, as fronteiras fecham e reabrem, as alianças mudam. Dentro da miríade de grupos ditos "islamistas", a maioria formados por combatentes estrangeiros, há uns mais radicais do que outros, alguns já foram aliados do Exército Livre, o principal grupo armado da oposição, que integra desertores e civis, outros sempre preferiram actuar por conta própria.

De acordo com Thomas Hegghammer, investigador do Norwegian Defence Research Establishment, em Oslo, algures durante o último Verão o número de combatentes estrangeiros na Síria ultrapassou os cinco mil – a guerra dos anos 1980 no Afeganistão nunca atraiu mais do que quatro mil de cada vez.

A Frente Islâmica é uma coligação recente, criada a partir da união de sete grupos no final de Novembro. No dia 3 de Dezembro, os seus comandantes anunciaram um corte definitivo com o Exército Livre. Há uma semana, atacaram Atmeh e, segundo diferentes relatos, controlam agora o acesso a Bab al-Hawa, o posto fronteiriço. Do lado turco está Reyhanli, uma cidade na província de Hatay que é uma espécie de quartel-general das organizações humanitárias sírias e onde também estão sedeados muitos activistas e combatentes.

Opositores sírios e responsáveis norte-americanos confirmam que estes grupos roubaram tudo o que se encontrava nos armazéns do Exército Livre, incluindo umas 40 carrinhas de caixa aberta e viaturas militares.

Nada aqui é muito claro – nem muito menos definitivo. Controlar o acesso à fronteira, por exemplo. Já houve dias e semanas em que esse acesso esteve completamente nas mãos dos mais radicais membros do Daash (já se chamou ISIS, é a Al-Qaeda na Síria), combatidos então pelo Exército Livre com a ajuda de alguns dos comandantes que agora integram a Frente Islâmica.

Às vezes, a fronteira está aberta, outras vezes os turcos encerram-na. Desde o fim de Setembro que os turcos não deixam estrangeiros entrar na Síria por aqui, justificando essa proibição com os riscos que correriam face à presença dos radicais.

Os rumores na zona são sempre muitos: numa das versões sobre o que aconteceu, ter-se-á espalhado a notícia de que o Daash estaria a preparar-se para atacar a sede do Exército Livre e os armazéns perto de Bab al-Hawa; isso levou os homens da Frente Islâmica a avançarem para proteger estes locais, antes de acabarem eles próprios a desviar tudo o que lá se encontrava.

Impacto simbólico
Outra questão difícil de avaliar é a natureza da ajuda que estaria a ser enviada por norte-americanos e britânicos e que agora foi suspensa. Washington e Londres referem-se genericamente a “ajuda não letal”, sublinhando que a ajuda humanitária para as populações do Norte da Síria não será afectada. Em causa estarão então veículos, equipamento de comunicações, mas também alimentos e medicamentos destinados aos combatentes.

A ajuda letal – para além de treino, armas que os EUA farão chegar através da CIA e que os sírios se queixam de serem muito poucas – não será afectada, explicaram vários responsáveis ouvidos pelo New York Times.

Mais do que a suspensão do envio da ajuda propriamente dita – uma decisão anunciada como temporária e que será reavaliada depois de os norte-americanos perceberem melhor qual é a situação actual no terreno –, o anúncio tem um impacto simbólico muito importante.

Num momento em que o Exército Livre está tão vulnerável no campo de batalha, enfrentando ainda o regime de Bashar al-Assad, mas cada vez mais tendo de combater radicais estrangeiros bem organizados e equipados, o sinal que chega daqui é o de um isolamento crescente. Isto, quando falta pouco mais de um mês para a conferência de paz que os EUA e a Rússia estão a organizar com a ONU e da qual, em teoria, deveria sair um plano de transição política. Com o enfraquecimento da oposição armada, a já frágil oposição política arrisca-se a chegar ao encontro de 22 de Janeiro no seu pior momento desde o início da revolta e do conflito armado que se seguiu aos protestos pacíficos de 2011.

“Para todos os efeitos, a oposição armada moderada que a Administração [de Barack Obama] realmente quer ajudar – apesar de o fazer de uma forma hesitante e sem grandes convicções – é marginal no terreno”, diz ao New York Times Frederic C. Holf, investigador do think tank Atlantic Council que já ajudou o Departamento de Estado a trabalhar em planos para uma transição na Síria. O veterano opositor sírio Ammar Abdulhamid comenta que os islamistas agradecem: "Agora, vão usar isto para dizer às populações que o Exército Livre não existe e que só eles importam."
 
 
 
 

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