Com a onda de raptos, Maputo é agora “uma cidade-fantasma”
Em Junho, foi sequestrado o primeiro português, um empresário, libertado um mês depois. A Polícia Judiciária deslocou-se então a Moçambique. Agora, continuam raptados três portugueses
Já este ano, as mulheres e os filhos de homens de negócios passaram também a ser alvos dos sequestradores. Sobretudo nos últimos meses, os casos tornaram-se mais frequentes, violentos e flagrantes, com ataques e raptos em plena luz do dia a atingir crianças e outras comunidades como a moçambicana de raça negra e a portuguesa. Alguns gangs aparecem armados de espingardas AK-47.
Na semana que fechou com a denúncia do escritor Mia Couto sobre a existência de uma força “sem nome e sem rosto”, numa cerimónia pública no dia 25 de Outubro, pelo menos cinco pessoas tinham sido raptadas em cinco dias. Três delas eram mulheres.
Já esta semana, mais duas mulheres foram sequestradas: uma cidadã portuguesa, gestora financeira de uma empresa, e uma cidadã moçambicana de 33 anos, mulher de um funcionário da organização não-governamental Save The Children. A primeira foi levada do gabinete das instalações da empresa, na Matola, arredores de Maputo. A segunda estava na sua casa em Laulane, também arredores da capital, com os filhos, a irmã e o cunhado, quando foi levada pelo que se pensa ser um grupo de cinco homens. Horas depois, era também anunciado, pelo jornal moçambicano A Verdade, o rapto de uma criança de três anos.
Depois do sobressalto sentido entre a comunidade portuguesa, em Junho, quando o primeiro português foi raptado e libertado um mês depois, os portugueses começaram, pela primeira vez, a sentir que podiam também ser um alvo, diz um empresário português há 15 anos em Moçambique que pede anonimato por motivos de segurança.
Além da portuguesa sequestrada esta terça-feira, dois portugueses foram raptados há mais de uma semana, confirmou ao PÚBLICO o cônsul de Portugal em Maputo, Gonçalo Teles Gomes. No total, desde Junho, quatro portugueses foram raptados. Só o primeiro – de Junho – foi libertado.
A Polícia Judiciária esteve então em Moçambique para “prestar colaboração às autoridades moçambicanas por solicitação das mesmas”, disse ao PÚBLICO uma fonte da PJ, que não quis adiantar o que está previsto no caso dos três portugueses ainda em cativeiro.
O medo de represálias
Muitos episódios violentos não chegam a ser denunciados ou tornados públicos, por medo de represálias. Um deles, conta o empresário contactado, aconteceu há poucas semanas. Um grupo de atacantes mandou parar uma carrinha de transporte escolar e sair todas as crianças. Entre elas estava o filho de um homem de sucesso, que era quem os homens procuravam. A criança foi raptada e mais tarde libertada, depois do que terá sido o pagamento de um resgate de meio milhão de dólares.
Na semana passada, milhares de pessoas protestaram nas ruas de Maputo e Beira contra o silêncio do Governo e a ineficácia da polícia. Dois dias antes, um rapaz de 13 anos tinha sido morto em cativeiro, logo depois de a mãe ter comunicado o rapto ao chefe da delegação local da Polícia de Investigação Criminal.
O pânico instalou-se. E com ele a suspeita crescente de que a polícia não protege os cidadãos. Por medo, muita informação mantém-se em segredo. Mas começa a circular em Maputo a informação de denúncias de mulheres que, depois de sequestradas, reconheceram entre polícias fardados os seus atacantes.
Uma delas conseguiu fugir após ter sido raptada há umas semanas. Já na companhia do marido, dirigiu-se à esquadra para apresentar queixa. Quando entrou, sob pretexto de se sentir mal, saiu apressadamente e mais tarde fugiu do país. Fora de Moçambique (onde permanece) fez a denúncia, num circuito privado de informação entre a comunidade, de que na esquadra tinha reconhecido dois dos seus raptores entre os polícias fardados.
Outra mulher foi à esquadra, depois de ser assaltada em plena Avenida Marginal por um grupo de homens que partiram os vidros do carro com martelos e lhe roubaram todo o dinheiro que levava no carro. Também ela acabou por não apresentar queixa. Mais tarde, fez circular a informação de que, na esquadra, vira entrar dois polícias, e reconhecera um deles como um dos atacantes. O casal com filhos mudou-se, no dia seguinte, da casa onde morava.
A informação “chocante”, diz o empresário português que falou ao PÚBLICO, mais uma vez circulou entre a comunidade portuguesa que partilha o que sabe, como única forma de saber o que se passa, para melhor decidir. E a decisão passa, cada vez mais, por tirar os filhos ou as famílias do país.
Dezenas de crianças de famílias portuguesas já saíram de Moçambique, como disse ao PÚBLICO esta semana o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário. A directora da Escola Portuguesa em Maputo também afirmou à Lusa que, desde Setembro, 40 crianças deixaram a escola, que tem 1600 alunos de 14 nacionalidades. Outras crianças e adolescentes terão deixado de frequentar outras escolas.
O fim do “miniparaíso”
Já era habitual ver casas com grades ou seguranças à porta em Maputo. Agora, passou a ser frequente ver responsáveis de grandes empresas deslocarem-se com carros de seguranças à frente e atrás da sua própria viatura, descreve o empresário português em Moçambique.
Não data de há muito o tempo em que Maputo era uma “cidade aprazível” e Moçambique um “miniparaíso”, diz. “Na capital, as pessoas saíam a pé de casa para as esplanadas. As mesas dos restaurantes estavam sempre cheias.”
Agora, só o dia dá uma aparência de normalidade à vida. À noite, as ruas ficam desertas. “Os restaurantes estão vazios, ninguém sai de casa. Maputo está em estado de sítio. Parece uma cidade-fantasma.”
É na capital, antes uma cidade aberta e transbordante de vida nocturna, que se sente “o pânico”, enquanto no centro e no Norte do país se vive a insegurança de acções militares entre a Renamo e as forças do Governo.
Na semana passada, perante a onda de raptos, o Presidente, Armando Guebuza, manifestou confiança na polícia. “Tenho confiança na guarda presidencial e no comandante-geral da Polícia”, afirmou. Dias antes, o Ministério do Interior demitira o director da Polícia de Investigação Criminal, num gesto interpretado pela imprensa como reacção à fraca resposta da polícia à onda de raptos. E, pela mesma altura, foram condenados três polícias que integravam uma rede de sequestradores que chegavam a exigir 165 mil dólares de resgate. Um dos condenados era membro da guarda do Presidente.