China consolida posição como maior parceiro comercial do Brasil

Primeiro-ministro chinês assina dezenas de contratos de investimento com Presidente Dilma Rousseff. Pequim pretende alargar a sua influência económica na América Latina — e assumir a preponderância política que já pertenceu aos Estados Unidos.

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O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e a Presidente Dilma Rousseff EVARISTO SA(AFP

Não houve nenhuma referência ao escândalo na cerimónia que juntou a Presidente brasileira, Dilma Rousseff, e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e que selou a aliança comercial e financeira entre os dois países. Com os acordos assinados, Pequim confirma o seu estatuto como o maior parceiro comercial brasileiro – em 2014, a balança comercial bilateral ascendeu aos 78 mil milhões de dólares – e transforma-se numa espécie de “salvador da pátria”.

O investimento chinês surge num momento fulcral para a economia brasileira, que está a sobreviver num equilíbrio precário entre a estagnação e a recessão. Obrigado a lançar um programa de austeridade, designado de “ajuste fiscal”, para corrigir os desequilíbrios orçamentais, o Governo de Dilma Rousseff congelou a despesa, congelando várias obras públicas que espera agora poder recuperar.

“O investimento de grandes empresas chinesas vai sem dúvida ajudar a recuperar a economia e manter empregos brasileiros. Além disso, demonstra a confiança que a China deposita no Brasil e a importância que atribui à aliança estratégica e comercial”, justificou o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Charles Tang, à BBC Brasil. “Um amigo em hora de necessidade é um amigo verdadeiro”, frisou.

“Num cenário de difícil recuperação global, a cooperação mútua entre a China e o Brasil vai proporcionar o desenvolvimento das economias emergentes e, consequentemente, da economia mundial”, sublinhou o primeiro-ministro chinês. Na sua visita de quatro dias ao Brasil, que terminou esta quinta-feira, Li Keqiang assinou acordos governamentais, contratos empresariais e outros documentos oficiais, nomeadamente para a criação de um fundo de 50 mil milhões de dólares do Banco Industrial e Comercial da China destinado ao financiamento de projectos de infraestrutura, ou ainda para um empréstimo de 3,5 mil milhões de dólares do Banco de Desenvolvimento Chinês à Petrobras.

Aliás, a situação complicada que a petrolífera brasileira atravessa tornou-se uma oportunidade para a entrada das empresas chinesas no negócio do petróleo brasileiro. No início do ano, um contrato da Petrobras no valor de 750 milhões de dólares para a construção de módulos de compressão foi entregue a um estaleiro chinês, depois do grupo brasileiro que tinha ficado com a obra ter sido afastado no âmbito da operação Lava Jato que investiga a corrupção na petrolífera.

Claro que a ajuda de Pequim não é exclusivamente altruísta: a economia chinesa também vive um período de desaceleração, e a solução para o desenvolvimento da actividade industrial ou para a diversificação das aplicações financeiras passa pela expansão internacional (com o bónus da projecção do yuan como moeda de referência global).

Colômbia, Peru, Chile...
E não é só no Brasil que a China está a investir, num esforço para alargar a sua pegada económica continental. Depois de Brasília, o primeiro-ministro chinês visita a Colômbia, Peru e Chile, num périplo comercial que para além de benefícios económicos, busca colher dividendos políticos, em termos do alargamento da influência política de Pequim na América Latina.

No início do ano, o Presidente da China, Xi Jinping, traçou o plano da expansão comercial e financeira na América Latina, que prevê o investimento de 250 mil milhões de dólares durante a próxima década na região. Em declarações à BBC Brasil, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel, notou que a acção económica chinesa na América do Sul poderá estabelecer Pequim como o mais importante “actor político e económico na região”, tomando o lugar que pertenceu aos Estados Unidos. “Depois disto, será impossível cortar a China da equação”, considerou.

O financiamento da construção do canal da Nicarágua, a maior obra de engenharia do mundo, para servir de concorrência ao Panamá, é o paradigma da ambição da China. Um outro exemplo do investimento estratégico chinês é o projecto para uma ferrovia transoceânica a ligar as costas atlântica e pacífica da América do Sul, orçado em cerca de nove mil milhões de euros. Trata-se da abertura de “um novo caminho para a Ásia”, que reduzirá as distâncias e os custos das importações de matérias-primas brasileiras para a China (principalmente soja e ferro), como destacou Dilma Rousseff, que deu a sua bênção ao projecto.

Segundo o plano, a linha arranca no porto de Açu, no Rio de Janeiro, atravessa a bacia amazónica e a cordilheira dos Andes e termina no porto de Paita, o segundo maior do Peru (e cujas obras de ampliação estiveram a cargo da portuguesa Mota-Engil).

Para já, ainda só estão a decorrer os estudos de viabilidade. Os desafios que a obra representa, em termos de engenharia, são colossais. Mas além de vencer os obstáculos naturais, os promotores terão que ultrapassar a oposição das comunidades indígenas, das organizações ambientais e que prometem mobilizar-se para impedir a construção. E também de dirimir os conflitos diplomáticos que rebentaram com o anúncio do projecto: como escrevia a BBC, a tensão nas já difíceis relações entre o Peru e a Bolívia disparou, com os Presidentes Evo Morales e Ollanta Humala a trocar acusações de “jogo sujo” para garantir a passagem do caminho-de-ferro.

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