Cabul anuncia morte de mullah Omar, desta vez pode mesmo ser verdade
Taliban não confirmam oficialmente a morte do seu líder espiritual. Notícia vai aumentar divisões no movimento e pode pôr em causa negociações de paz.
“Não há dúvidas”, disse Abdul Hassib Seddiqi, porta-voz dos serviços secretos afegãos ao New York Times. “Confirmámos que ele está morto. Morreu em Abril de 2013, há dois anos, em Carachi [no Sul do Paquistão]. Confirmámos e apagámos todas as dúvidas.” Em 2011, já tinham sido os serviços secretos afegãos a darem Omar como morto – na altura, disseram que os paquistaneses o tinham assassinado depois da operação norte-americana que matou Osama bin Laden. Um porta-voz dos taliban ouvido pela Voice of America garante que as notícias são falsas.
A credibilidade do anúncio de Seddiqi aumenta se tivermos em conta todos os rumores que têm surgido no seio do próprio movimento. Há comandantes que desertaram para o Estado Islâmico, o grupo que nasceu no Iraque e na Síria mas agora se oferece como alternativa à Al-Qaeda um pouco por todo o mundo, precisamente por desesperarem à espera de uma prova de vida do seu líder e de saber quem comanda a insurreição contra Cabul e as 12 mil tropas da NATO que sobram no Afeganistão.
Omar tem escrito – a última mensagem publicada em seu nome data de há menos de duas semanas, por ocasião do Aid al-Fitr, a festa que assinala o fim do mês sagrado do jejum para os muçulmanos, o Ramadão. Nesse texto abençoava as negociações de paz que decorrem entre os taliban e o Governo do Presidente afegão, Ashraf Ghani. A segunda ronda destes contactos está marcada já para sexta-feira, no Paquistão.
“Esta notícia vai certamente afectar as conversações”, disse à AFP Rahimullah Yusufzai, o veterano especialista paquistanês no movimento criado por Omar em 1994. “Se o seu chefe supremo estiver mesmo morto, há o risco de os taliban se dividirem, é preciso esperar até para ver se as discussões previstas vão acontecer.”
Dois conselhos, diferentes gerações
As divisões entre o movimento são muitas e antigas. Há dois conselhos de liderança, um em Queta, no Paquistão, outro no Dubai, mais radical, que se opõe a quaisquer negociações. E há uma divisão geracional, entre jovens desesperados por participarem em lutas que encaixem na sua ideia de jihad, facilmente recrutáveis pelo Estado Islâmico, e os mais velhos, veteranos da guerra contra os soviéticos, que tendo Omar como “comandante dos crentes” chegaram a liderar o Afeganistão e a controlar 80% do país.
Nesses anos (1996-2001), o grupo que nasceu com apoio do Paquistão para combater os senhores da guerra que se digladiavam entre si, governou os afegãos com a sua visão muito própria do islão. As mulheres estavam proibidas de estudar e trabalhar, a música e a televisão foram banidas, ladrões ou acusados de adultério eram executados no estádio de Cabul, os gigantescos Budas de Bamyan foram demolidos...
O homem que só foi fotografado uma vez (há mais imagens, mas só uma de autenticidade inatacável), já cego do olho direito depois de uma batalha contra os soviéticos, nunca deixou transparecer muito sobre a sua vida. Sabe-se que nasceu pobre numa vila de Kandahar, a grande cidade do Sul pasthun afegão, nos anos 1960, e que interrompeu os estudos religiosos para cumprir a obrigação de combater “os infiéis”.
Não gostava especialmente de Bin Laden, mas aceitou que este se instalasse no país em troca de dinheiro e recusou retirar-lhe protecção depois dos atentados do 11 de Setembro, ditando assim a sua sorte. Em poucos meses, os bombardeamentos dos EUA ajudaram a oposição a derrotar o seu exército de “estudantes de teologia”. Na última vez que se dirigiu aos seguidores, antes de desaparecer de Kandahar, prometeu-lhes que “a bravura afegã” traria a vitória contra tudo e contra todos.