Barack Obama: "Torturámos algumas pessoas"

Presidente dos EUA diz que "qualquer pessoa sensata" sabe que waterboarding é tortura. Analistas admitem "implicações políticas, diplomáticas e até legais".

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"Quando recorremos a essas técnicas de interrogatório intensificadas, técnicas que qualquer pessoa sensata classificaria como tortura, ultrapassámos uma linha" Larry Downing/Reuters

Numa conferência de imprensa na Casa Branca em que falou sobre o emprego e a imigração nos EUA e respondeu a perguntas sobre as guerras na Ucrânia, na Faixa de Gaza e no Iraque, Barack Obama fez também uma declaração sobre a investigação do Senado à actuação da CIA durante o período a que o antigo Presidente George W. Bush chamou "guerra ao terrorismo", e que surpreendeu pela falta de rodeios com que abordou a questão.

"No que toca à questão mais abrangente do relatório sobre o RDI [o programa da CIA Rendição/Detenção/Interrogatório], ainda antes de eu ter assumido a Presidência fui bastante claro ao dizer que cometemos alguns erros após o 11 de Setembro. Fizemos muitas coisas que deviam ser feitas, mas torturámos algumas pessoas. Fizemos coisas que eram contrárias aos nossos valores", afirmou o Presidente norte-americano.

Apesar de dizer que compreende "a enorme pressão" com que os agentes dos serviços secretos actuaram logo a seguir aos atentados terroristas contra o World Trade Center e o Pentágono, Barack Obama decidiu usar a palavra "tortura", para além da expressão menos comprometedora "técnicas de interrogatório intensificadas".

Não foi a primeira vez que Obama se referiu a essas técnicas (como o waterboarding) como uma forma de tortura, mas o que disse a seguir, na mesma conferência de imprensa, pode abrir as portas a uma torrente de acções nos tribunais – um efeito que os responsáveis pelos serviços secretos sempre tentaram evitar através do recurso a uma terminologia mais cinzenta.

"Quando recorremos a essas técnicas de interrogatório intensificadas, técnicas que qualquer pessoa sensata classificaria como tortura, ultrapassámos uma linha. E isso tem de ser entendido e aceite. Como país, temos de assumir essa responsabilidade, para que não voltemos a fazê-lo no futuro", disse o Presidente dos EUA.

Josh Rogin, jornalista do site The Daily Beast e comentador de política na estação norte-americana CNN, mostrou-se surpreendido com o facto de Obama ter usado a palavra "tortura", e alertou para possíveis "implicações políticas, diplomáticas e até legais".

"Os responsáveis pelo relatório do Senado que o Presidente Obama estava a comentar decidiram explicitamente não usar a palavra 'tortura', precisamente porque não queriam entrar num debate legal que pode ter consequências graves para as pessoas implicadas no relatório por terem usado estas duras técnicas de interrogatório", disse o jornalista no programa Anderson Cooper 360º.

No mesmo programa, Robert Baer, antigo recrutador e formador de agentes da CIA e actualmente comentador de assuntos de segurança nacional, disse que ninguém terá dúvidas de que métodos como o waterboarding são uma forma de tortura, mas descreveu o uso da palavra pelo Presidente como "uma enorme contrariedade para a CIA".

"Waterboarding é tortura. Alguns japoneses foram executados na II Guerra Mundial por terem torturado americanos. (…) O que é novo é que o Presidente usou essa palavra, uma palavra que os funcionários da CIA não estão autorizados a usar", disse Robert Baer.

Para além do facto de ter admitido frontalmente que os serviços secretos norte-americanos torturaram pessoas na sequência do 11 de Setembro, o uso da expressão "folks" foi também muito discutida.

No Twitter, a jornalista Annie Lowrey, que escreve sobre política na New York Magazine, foi uma das muitas pessoas que se mostraram incomodadas com o facto de o Presidente dos EUA ter incluído na mesma frase as palavras “folks (uma forma mais coloquial, quase carinhosa de fazer referência a um grupo de pessoas) e "tortura": "Torturámos 'folks'. Brutalizámos 'dudes'. Espancámos uns 'chaps'. Atormentámos uns 'peeps'. Submetemos gatos a waterboarding", satirizou a jornalista.

Apesar do incómodo causado pela junção das duas palavras na mesma frase, Barack Obama é conhecido por recorrer muitas vezes à expressão "folks" – ao longo da conferência de imprensa empregou-a 11 vezes. Também o seu antecessor, George W. Bush, cometeu um incidente linguístico semelhante, em 2007: "Muitas das explosões provocadas por carros armadilhados e mortes são resultado da Al-Qaeda – os mesmos 'folks' que nos atacaram no 11 de Setembro."

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