As eleições que podem segurar ou fazer explodir de vez o Iraque

Maliki chegou ao poder e nunca mais de lá quer sair: explorou divisões sectárias e deverá conseguir voltar a ser primeiro-ministro, apesar de um segundo mandato desastroso.

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Nos últimos dias morreram 79 pessoas em atentados Wissm al-Okil/Reuters

“A não ser que [Nouri al] Maliki seja substituído ou que mude drasticamente as suas políticas, estas podem ser as últimas eleições num Iraque unificado”, escreve Paul Salem, do think tank Middle East Institute, de Washington. A previsão pode soar catastrofista, mas Salem não é o único a fazê-la.

Washington não deixou o Iraque em bom estado. Mas o primeiro-ministro Maliki, que termina agora o seu segundo mandato, fez pouco por melhorar a situação. Quis, acima de tudo, continuar no poder. Pelo caminho, conseguiu dividir o país quase tanto como a invasão norte-americana de 2003.

O xiita Maliki não foi o mais votado nas últimas legislativas, em 2010. Venceu por cansaço, em negociações para formar um suposto governo de unidade que se prolongaram por 35 semanas. Desde essa altura é ainda ministro da Defesa, do Interior e da Segurança Nacional. Também é o chefe das Forças Armadas.

Uma lei aprovada entretanto pelo Parlamento (uma das poucas em que os deputados se conseguiram organizar para votar nos últimos quatro anos) que o teria impedido de se candidatar a um terceiro mandato foi anulada pela Justiça. Os grupos de direitos humanos acusam Maliki de ter os juízes na mão. Os partidos rivais dizem que ele conseguiu afastar muitos dos seus candidatos – os membros da comissão eleitoral chegaram a demitir-se, enquanto denunciavam influências políticas no seu trabalho.

Pior do que tudo isto é a forma como Maliki tem provocado a instabilidade, jogando com os medos sectários para garantir o apoio do eleitorado xiita. A guerra síria não ajudou, ao agudizar as tensões entre os blocos sunitas e xiitas em toda a região.

Em Janeiro, quando partes da província sunita de Anbar, na fronteira com a Síria, caíram sob controlo de grupos jihadistas, houve tribos sunitas que voltaram a aliar-se aos radicais estrangeiros, tal como nos anos da ocupação norte-americana. Maliki tinha feito de tudo por alienar esta comunidade: por exemplo, um artigo da Constituição que permite prender, espancar ou fazer desaparecer quem quer que se suspeite de ser um terrorista – na narrativa do poder iraquiano, um terrorista é frequentemente um sunita ou um opositor, ou os dois numa só pessoa. Houve acampamentos de protesto pacíficos que Maliki desmantelou à força.

A crise salvadora
Num relatório publicado na segunda-feira, o International Crisis Group acusa o primeiro-ministro de aproveitar a ameaça terrorista. Esta crise “salvou as possibilidades de Nouri al-Maliki para as legislativas”, escreve o think tank com sede em Bruxelas. “O seu segundo mandato foi em grande parte um desastre: nos dois últimos anos, o aumento da violência, os abusos das forças de segurança, as inundações na capital e a sua gestão desastrosa das manifestações sunitas descredibilizaram-no, tanto entre os sunitas como entre os xiitas”, conclui o ICG.

Os jihadistas sunitas do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIS), o mais radical dos grupos a operar na Síria, chegaram a Anbar e Maliki prometeu “limpar” o país de terroristas, enquanto os líderes sunitas mediam as palavras, tentando evitar uma escalada na violência e negociar com as tribos da região, que há anos alimentavam queixas contra Maliki.

Novas milícias
Depois, o primeiro-ministro recuperou o nome das milícias financiadas pelos EUA para combater a Al-Qaeda a partir de 2007, os Filhos do Iraque, e formou novas milícias. A maioria dos seus membros vem de dois grupos apoiados pelos iranianos, o Asaib Ahl al-Haq e o Kata’ib Hezbollah – Teerão não gosta de Maliki, mas aposta acima de tudo na estabilidade e num governo xiita, principalmente desde o início do conflito sírio. Três políticos xiitas ouvidos pela Reuters dizem que são estes os homens que agora garantem parte da segurança em Bagdad.

No fim de Março, jihadistas sunitas capturaram Buhriz, uma pequena cidade a norte de Bagdad, e por lá ficaram durante a noite. Na manhã seguinte, já os sunitas tinham seguido viagem, chegaram forças de segurança regulares e membros das novas milícias xiitas. Líderes tribais e residentes que falaram à Reuters descrevem um massacre, com jovens a serem arrancados das suas casas e “sumariamente executados”. “Eles já realizaram várias operações em redor de Bagdad e de Diyala”, diz o deputado xiita Amir al-Kinani, um crítico de Maliki. “Eles são jihadistas prontos para morrer.”

Os sunitas, concentrados no Ocidente do país, acreditam cada vez menos num futuro comum com Bagdad. A norte, os curdos desconfiam de Maliki, querem preocupar-se com o seu próprio desenvolvimento e reforçam laços com a Turquia.

Dois anos para ter governo?
E, apesar de tudo, esta quarta-feira há eleições no Iraque (com excepção de partes de Anbar): são 9039 candidatos divididos em 277 grupos políticos que disputam os 328 lugares de deputados. Maliki está em vantagem, não só por ter o poder e todos os instrumentos que isso traz, mas também porque os outros grupos xiitas estão divididos, o mesmo acontecendo com sunitas e curdos. O cenário mais discutido entre políticos e académicos em Bagdad antecipa que a sua coligação, a Aliança para o Estado de Direito, obtenha entre 60 e 90 lugares – são precisos 167 para ter maioria.

Desde o início do ano, morreram pelo menos 3000 pessoas em atentados. “Um pensamento que deve inquietar Teerão e Washington: neste momento, o maior motivo de contenção no Iraque são as próprias eleições, com políticos de todos os lados a defender a prudência antes do voto, na expectativa de que a vitória lhes permita pôr em marcha os seus planos. Quando as eleições estiverem acabadas, já não servirão de desincentivo a mais violência ou a acções extremas que podem provocar violência”, escreve Kenneth Pollack, da Brookings Institution.

Para piorar tudo ainda mais um pouco, se os resultados forem tão fragmentados como se espera, a maioria dos líderes políticos estima que a formação de um governo demore 18 a 24 meses.

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