Afinal, quem ama a Europa?
A Europa está cheia de gente pouco europeia.
A Europa está cheia de gente pouco europeia.
A Inglaterra? Um olho nos Estados Unidos, outro na Escócia.
Portugal? Nós próprios achamos – a língua é muito traiçoeira – que não somos bem Europa, ela está “lá fora” e, com sorte, nós somos a cauda. (Nos momentos de euforia somos-lhe o rosto, o problema é que ela quer fazer uma plástica.)
Os países bálticos? Recém-chegados. Ou recém-regressados. Uma confusão. Uns até já têm milícias que vão às escolas, mostrar a petizes de bibe como se pega em armas.
A Ucrânia não está bem. Alguma vez esteve?
A Finlândia? Cheios de medo que se lhes acabe a papa Nokia.
A Croácia? Vencedora por carinhosa protecção da última guerra europeia do século XX. Há currículos melhores.
A Suíça? Ela só geme: “Não me metam em sarilhos.”
A Itália? Sim talvez, mas qual: a do norte, a do sul, a do meio? E com massa fina ou alta e fofa?
A Espanha é espanhola, à excepção de Ibiza, que é um principado alemão, e de Torremolinos, que faz Gibraltar corar de vergonha.
A França? A eterna “excepção francesa”, que ninguém percebe o que é, excepto que significa que, a haver “Vraie Europe”, ela teria sede em Paris.
A Irlanda? Bem podia perder aquele sorrisinho superior de quem sabe que, para construir uma Europa a sério, a sede teria de ser em Cork. E a capital em Dublin.
A Alemanha... Bom, pois. Ahem. Claro.
A Grécia já era. Agradeçam aos senhores da linha de cima.
A Suécia é simpática. Mas lembra muito a Dinamarca.
A Áustria tem um complexo freudiano do qual dificilmente se libertará.
A Turquia já desistiu de entrar num clube que não a aceita como sócia.
A Dinamarca é gira, mas lembra muito a Suécia.
A Holanda tem mais bicicletas que a China, que aliás tem cada vez menos bicicletas.
A Roménia tem estado muito calada. Fará bem?
A Bulgária teve um rei primeiro-ministro da república. Decidam-se, pá.
A Hungria diz que está a construir um muro só dela e que não dá a mais ninguém.
Tenho a sensação de que me estou a esquecer da Bélgica. Ah, pois é. Por que será?
Tenho a sensação de que estou também a esquecer o Luxemburgo. Ainda é um paraíso fiscal ou agora está em época baixa?
Restam as pessoas que continuam, em massa, com enormes riscos e sacrifícios, por mar, por terra, a quererem vir para cá. Parece que não têm a cor certa, mas têm o coração certo. São as únicas que amam a Europa.
E talvez, pensando bem, por isso mesmo as únicas verdadeiramente dignas de serem europeias.
Escritor