A pretexto do fim do Ramadão, Irmandade volta a manifestar-se no Cairo
Apesar do receio do regresso da violência, há sinais de que a via do diálogo entre islamistas e Exército continua aberta
Milhares juntaram-se logo ao amanhecer para as orações que marcam o início do Id al-Fitr, os três dias de festa no final do mês sagrado, enchendo as praças de Rabaa al-Adawiya e Nahda, no Leste do Cairo, onde há mais de um mês a Irmandade Muçulmana mostra a sua força e capacidade de mobilização. O movimento islamista mantém nos dois locais acampamentos que o governo interino considera uma ameaça à segurança – a imprensa e a oposição secular dizem que os islamistas ali esconderam armas – e assegura que só ainda não foram desmantelados por respeito “ao carácter sagrado do Ramadão”.
“A hora da batalha aproxima-se”, escreveu na sua primeira página o jornal governamental Al- Gumhuriya, referindo-se ao anúncio feito na véspera pelo Presidente interino, Adly Mansur, de que tinham fracassado as tentativas internacionais para negociar uma saída para a crise política e responsabilizando a Irmandade pelo que venha a acontecer.
Apesar da tensão, o clima na manhã desta quinta-feira era sobretudo de festa nos redutos dos islamistas, enfeitados como muitas outras ruas com balões e faixas coloridas. “Vim aqui porque quero fazer a diferença, ainda que pequena”, disse à Reuters Ghada Idriss, de 35 anos, que viajou até ao Cairo com o marido e os três filhos, o mais pequeno ainda bebé. “Ao permanecermos aqui de forma pacífica, eles vão perceber que recusamos o regresso ao sistema de Mubarak”, acrescentou.
O entusiasmo na praça de Rabaa al-Adawiya cresceu quando no local surgiu a mulher de Morsi, vista raras vezes em público durante os meses que o seu marido presidiu aos destinos do Egipto. “É muito difícil para mim falar, mas Deus permita, ele vai regressar”, disse à multidão Naglaa Mahmoud, dizendo que os protestos das últimas semanas “provaram já que o povo egípcio é islamista”.
Um processo "muito frágil"
Apesar de se temer o regresso da violência – que em pouco mais de um mês provocou perto de 300 mortos, na esmagadora maioria apoiantes de Morsi – há informações de que a via do diálogo não está tão fechada como Mansur deu a entender na quarta-feira. Um diplomata que falou à Reuters sob condição de anonimato disse que tanto o Exército como a Irmandade podem dar em breve passos para restabelecer a confiança – uma das medidas faladas é a libertação de alguns dos dirigentes islamistas detidos após o golpe militar que derrubou Morsi. A mediação “ainda não acabou”, assegurou o diplomata, apesar de sublinhar que se trata de um processo “muito frágil”.
Responsáveis militares e políticos ouvidos pela agência disseram também que o anúncio do fracasso das negociações terá sido motivado pelo desagrado dos sectores liberais e nacionalistas, apoiantes do golpe que derrubou Morsi, com a alegada disponibilidade dos militares para negociar com os islamistas e com o que consideram ser a interferência estrangeira nos assuntos internos do país – “O Egipto rejeita sermões do satã americano”, titulou nesta quinta-feira um dos jornais governamentais.
Contudo, há também pressões em sentido contrário. Uma fonte militar disse à Reuters que o Exército ainda não pôs em prática a ameaça de desmantelar os acampamentos islamistas por temer dissensões na coligação que apoiou o derrube de Morsi, adiantando que uma repressão violenta podia forçar a demissão do vice-Presidente Mohamed ElBaradei, figura que é essencial para a legitimação da acção dos militares.
Num apelo divulgado já depois da suspensão das negociações, os chefes da diplomacia norte-americana e da União Europeia, lembraram que o governo interino tem “uma responsabilidade particular” para garantir que o processo de transição é posto de novo em marcha. “A actual situação é muito frágil e implica não só o risco de uma nova efusão de sangue e a polarização do Egipto, como entrava a recuperação económica” do país, lê-se na nota assinada por John Kerry e Catherine Ashton.