A nova palavra de protesto no Brasil chama-se "rolezinho"
Encontros de jovens da periferia em centros comerciais de São Paulo, marcados pelas redes sociais, lançam de novo a discussão no Brasil sobre discriminação. O fenómeno está a alastrar.
Numa página do Facebook de um rolezinho marcado para dia 25, um utilizador, Mário Rocha, descrevia: “Rolezinho é o flashmob de pobre. A principal diferença é logicamente a cor e a quantidade de dinheiro na conta bancária. A ideia é simples: nas redes sociais, jovens, que geralmente são negros, funkeiros e ‘favelados’, combinam um encontro dentro de algum shopping da cidade, e, estando lá, eles passeiam em grupos cantando suas músicas preferidas. Quando a classe média branca vê aquele mar de negros ‘invadindo’ o shopping, já pensam que são assaltantes, estupradores, ladrões...”
Até agora, os rolezinhos parecem ter envolvido sobretudo jovens das periferias de São Paulo – os media dizem que o primeiro desta onda foi a 7 de Dezembro no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste da cidade, e terá juntado 6 mil pessoas. Mas relatos recentes dão conta de jovens universitários na organização e há inclusivamente páginas no Facebook com rolezinhos marcados para as próximas semanas administradas por utilizadores cujo perfil indica pertença a universidades brasileiras. Pilar de Freitas, 22 anos, uma das organizadoras do rolezinho no shopping Iguatemi do Lago Norte, em Brasília, no dia 25, é estudante de História na UniCEUB Centro Universitário de Brasília, e diz ao PÚBLICO que a administração do evento é composta por pessoas de todos os meios: “Tem gente da periferia, classe média, negro, branco, universitários e trabalhadores.”
A polémica dos rolezinhos saltou com ainda mais intensidade para os jornais no fim-de-semana passado, depois de vários centros comerciais em São Paulo terem fechado as portas e controlado as entradas e saídas de jovens, tendo alguns conseguido que a Justiça os apoiasse e ameaçasse com uma multa de 10 mil reais a quem participasse.
No sábado, imagens de portas fechadas do shopping JK Iguatemi, em pleno centro da cidade, começaram a circular nas redes sociais e deram origem a críticas de que se estava perante um apartheid, pois os jovens participantes serão na maioria negros e de classe social baixa.
Houve lojistas a justificar as medidas com questões de segurança. A discussão tem sido acesa, porque há quem acuse os participantes de vandalismo e há quem defenda o seu direito a aceder aos espaços públicos, aproveitando ainda para criticar o Governo pela falta de investimento em espaços de lazer na periferia. De acordo com o Globo, apesar de queixas de que houve arrastão no primeiro rolezinho de Itaquera, “a administração negou a onda de furtos”; no segundo, no Shopping Internacional de Guarulhos, a 14 de Dezembro, também não houve registo de roubos, mas 22 pessoas foram levadas para uma delegacia; no rolezinho no Shopping Interlagos de 22 de Dezembro não houve igualmente registo de roubos.
Governantes preocupados
Os acontecimentos deste fim-de-semana tiveram repercussões políticas: três dias depois, Dilma, que enfrenta um ano de Mundial de futebol e de eleições em Outubro, convocou uma reunião com a sua equipa para abordar o tema; por outro lado, a própria ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, trouxe o tema da discriminação dos jovens para o debate. "As manifestações são pacíficas. Os problemas são derivados da reacção de pessoas brancas que frequentam esses lugares e se assustam com a presença dos jovens", disse, citada pelo Folha de São Paulo, classificando a medida que permite aos lojistas impedir a entrada de jovens nos shoppings de “segregação racial". E criticou a polícia por associar os negros ao crime.
Já o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, defendeu o recurso à força – a Polícia Militar tem recorrido a balas de borracha e bombas de gás, houve um forte aparato policial e vários detidos. Entretanto, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, decidiu que se devia negociar com os organizadores dos eventos para os convencer a organizar rolezinhos em espaços públicos, em vez de o serem nos shoppings – o secretário municipal da Igualdade Racial, Netinho de Paula, ia enviar emissários a casa de alguns adolescentes para os convencer a dialogar com Haddad, noticiava o Folha.
Porém, a avaliar pela agenda dos próximos rolezinhos marcados nas redes sociais, o fenómeno não se restringe a São Paulo (estão previstos vários, pelo menos, em Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e em Pernambuco). E a palavra ganha cada vez mais projecção nas redes sociais como forma de convocação de protestos. Motivo da participação de Pilar de Freitas, por exemplo: indignação face à repressão policial que viu. “O evento foi feito em apoio a todos que são e foram violentados de forma absurda, gerada pelo preconceito, inclusive do Estado e dos empresários. Os jovens da periferia não possuem meios de lazer; e por ocuparem os espaços dos centros urbanos acabam sofrendo toda essa forma de violência. Meio de transporte colectivo em Brasília é raridade e precário.” Resumindo: não há condições para “a galera conseguir se divertir”. Bandeira: não à segregação racial e de classes.
Nas redes sociais e nos media têm sido feitas várias análises sociais. “Os shoppings foram construídos para mantê-los do lado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e entrar”, escreveu a jornalista e escritora Eliane Brum. “E reivindicando algo transgressor para jovens negros e pobres, no imaginário nacional: divertir-se fora dos limites do gueto. E desejar objectos de consumo. Não geladeiras e TV de tela plana, símbolos da chamada 'classe C' ou ‘nova classe média’, parcela da população que ascendeu com a ampliação de renda no Governo Lula, mas marcas de luxo, as grandes grifes internacionais, aqueles que se pretendem exclusivas para uma elite, em geral branca.”