À nossa custa
Que nos resta fazer, quando se acorda tarde? Investir no conhecimento e inovação.
No caso dos Estaleiros de Viana, a tentação de culpar o governo de Sócrates foi maior que o escrúpulo da verdade. Esta saltou quando se leu o que a Comissão Europeia fez publicar no Jornal Oficial ao abrir o procedimento por possível violação das regras da concorrência nas ajudas financeiras aos Estaleiros. Logo aí se leu terem sido ainda maiores as ajudas do governo actual que as do anterior. E quando se soube que o governo não havia contestado o procedimento podendo e devendo fazê-lo com brevidade, surgiu a desculpa esfarrapada: contestar seria perder tempo. O contrário do que fizeram outros países com estaleiros navais em dificuldade Ao agir pelo não agir o Governo dá razão aos que afirmam que tinha um plano desde o início, a privatização, ou na sua impossibilidade, a concessão de terrenos e instalações. Por que razão não o expôs frontalmente, desde o início, preferindo prometer aos trabalhadores e à cidade aquilo que sabia ser-lhe difícil ou impossível cumprir? Com a propaganda do Verão de 2011, estaria o governo a sonhar com um futuro radioso, ou a iludir os trabalhadores com falsas promessas, baseado na teoria da adaptação do doente à doença, tal como na medicina tradicional chinesa? Dissimulando intenções, é legítimo pensar. Para além da verdade embrulhada em manipulação de má qualidade, o governo deu aso a que o acusem de má-fé. Demonstrou uma imensa incapacidade de lidar com problemas difíceis, impreparação atroz e penúria de pensamento.
Indústria, energia e clima. Perpassa por toda a Europa um frémito de renovação industrial. Exactamente o contrário de há dez anos, quando se expulsava da Europa a indústria manufactureira, acusada de poluidora, para que nos centrássemos em serviços, nomeadamente transportes, turismo, informática, telecomunicações e, claro está, no sector financeiro. Chegou a afirmar-se que a Europa dispensava uma política industrial. Com os resultados que se viram, nos efeitos da globalização. O toque a rebate surgiu quando, nos Estados Unidos, a baixa do preço de gás natural pela entrada em exploração das jazidas de gás de xisto, fez renascer a indústria do aço, do alumínio e outras metalurgias pesadas, ressuscitando a cerâmica e os novos matérias, tudo actividades de alto consumo energético. E como uma má notícia nunca vem só, o carvão norte-americano, de pronto tornado excedentário, invadiu a Europa a preços baixos, reactivando centrais termoeléctricas e dissipando CO2 como se pensava já não ser possível. Em menos de dois anos, a Europa vê serem postas em causa as suas políticas industriais, de produção eléctrica, de prevenção e mitigação dos riscos e alterações climáticas. O mercado das emissões de carbono falhou pela paralisia produtiva e foi necessário antecipar os desembolsos de forma artificial. O mercado transeuropeu de energia continua muito longe do seu potencial funcionamento em rede. O desastre de Fukushima acelerou a desnuclearização da Alemanha e ameaça o nuclear francês. As substituições de geração, as intermitências, a ainda escassa capacidade de armazenamento de energia, tornam agudas as subidas de custos, os quais recairão sobre o consumidor, desagradando à classe média, empobrecendo mais as classes baixas e tornando a indústria europeia menos competitiva. Como sempre, há que encontrar culpados e a escolha que agrada a mais interessados é a das renováveis. Entra-se na estimação enviesada de custos, esquecem-se os de construção e de desmantelamento (o ciclo completo do projecto) e culpam-se a eólica e a fotovoltaica de todos os erros de imprevisão. É espantoso como a indústria estava impreparada para mudanças de importância estratégica. Ouvi há dias o presidente de uma das maiores empresas químicas europeias queixar-se das metas para 2020 (redução em 20% da dissipação de CO2, atingir 20% de produção eléctrica por energias renováveis e alcançar 20% de ganhos por medidas de eficiência energética). O facto de elas andarem associadas criava um colete de forças à indústria. A queixa destinava-se a evitar que em 2030 o colete se apertasse ainda mais. São cada vez mais fortes as vozes a favor da exploração do gás de xisto na Europa (menos poluente que o carvão e talvez mais económico na exploração). Por coincidência, nesta mesma semana recebi o administrador de uma grande rede de distribuição eléctrica na Califórnia, de quem ouvi as primeiras críticas não demagógicas ao gás de xisto que tanto está a contribuir para o crescimento e emprego na América do Norte. Fiquei a saber que a utilização média das jazidas é de três anos, para dez no petróleo e restante gás, que a sua dispersão geográfica impede o transporte em pipe-line, fazendo-se dominantemente em poluente transporte viário e que as operações de transferência do produto registam uma percentagem importante de fugas de gás metano, carbonizando a atmosfera. Muito estará por conhecer.
Que nos resta fazer, quando se acorda tarde? Investir no conhecimento e inovação: armazenagem de energias por várias formas, integração de redes em alta, ganhos imaginativos em eficiência energética, viaturas eléctricas, redes inteligentes na distribuição em baixa, aumento do transporte público e redução do individual. Todas estas políticas estiveram activas, em Portugal, até 2011. A partir de então nem tanto.
Sinais de bom tempo. Os mais activos interessados nos sinais de bom tempo são os nossos credores. Desde o optimismo monocórdico de Ollie Rehn, à palavrinha simpática de Mário Draghi sobre a possibilidade de sermos desmamados no próximo ano, são visíveis as boas-vontades em que continuemos atentos, veneradores e cumpridores, até ao limite da penúria e de mais estagnação ou até deflação. Claro que nos perdoarão se o défice for de 4,5 em vez de 4,0, se o crescimento for de 0.1ou negativo, em vez de ser 0,6. Mas não podem abrir o jogo antes, não vá o País voltar a convencer-se de que é rico, desatando a gastar como se fosse. A famosa teoria do risco moral. Entretanto, vamos ter um Natal com mais prendas para os que receberam parte dos subsídios. Fica registada no activo do Tribunal Constitucional. Nos centros de transfusão de sangue, recebe-se grátis um pequeno-almoço calórico quando se doa sangue. Aqui o pequeno-almoço também seria barato, bastando espaçar reembolsos, baixar juros e impedir sangria maior, que nunca se sabe quando irá terminar. Continuamos a servir de cobaia mesmo que os resultados da experiência tenham resultado contra o previsto. Tal como na investigação científica, é necessário levar a experiência até ao fim. À nossa custa.
Deputado do PS ao Parlamento Europeu