A grande ilusão

O dr. Miguel Beleza goza de uma enorme reputação como economista e foi, entre outra coisas, ministro das Finanças do dr. Cavaco e governador do Banco de Portugal. No Verão gosta de comer e dormir. De quando em quando não se importa também de comunicar à plebe os seus pensamentos sobre o mundo.

Para azar dele, em 1911, saiu um livro que se tornou universalmente conhecido: A Grande Ilusão, de Norman Angell. O Czar leu o livro, o Kaiser leu o livro, toda a gente leu o livro, que trazia uma inesperada consolação a uma Europa tensa e pouco segura. Que “grande ilusão” era essa? Era a ilusão de que as potências da Europa, incluindo a Rússia, estavam na iminência de uma guerra geral. Contemplando com desprezo esse erro universal, Angell explicava que a interdependência económica e financeira das potências não lhes permitia qualquer acto de hostilidade grave sem se arruinarem, porque sem excepção precisavam (mesmo as mais fortes) de um “ambiente” previsível e pacífico para alargar os seus mercados e principalmente conseguir investimento estrangeiro.

Angell, o contrário de Beleza, não tinha o menor prestígio académico ou político. Fora cowboy, criador de porcos, pesquisador de ouro e jornalista. Não passava, em resumo, de um autodidacta, que seria injurioso comparar com a persona sabedora e grave de Miguel Beleza. De qualquer maneira, bastaram uns meses para se verificar o engano monstruoso de Angell. Um erro que vinha de confundir economia e finanças com necessidade política. As potências arrasaram a Europa e, de caminho, a elas próprias sem a mais vaga hesitação. É curioso que no momento em que a “Europa” se desfaz e demonstra a sua fraqueza no Médio Oriente e na Ucrânia, e em que vários regimes seculares (o Reino Unido, a França, a Espanha e até Portugal) tremelicam à beira da falência, se volte a falar, embora discretamente, da “grande ilusão”. E logo pela boca de um economista.

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