O lobo mau da direita populista no Parlamento Europeu vem aí

Este vai ser o Parlamento Europeu com maior número de deputados eurocépticos, de direita populista e de extrema-direita. Mas os efeitos práticos poderão não ser assim tantos.

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Le Pen pode ficar com 20 deputados no Parlamento Europeu FREDERICK FLORIN/AFP

Se o mais importante for o trabalho, espera-se que os deputados eurocépticos e de direita radical ou populista, que vão aumentar no Parlamento Europeu após as eleições de Maio, sejam quase irrelevantes. Mas se falarmos da importância do palco, aí o esperado aumento de deputados radicais poderá ter efeitos.

Partidos eurocépticos, de direita populista, ou de extrema-direita xenófoba estão a subir de popularidade em vários países (embora com excepção de alguns países em crise, como Portugal ou Espanha), e a sua influência tem posto a imigração no centro do debate europeu, com propostas de medidas radicais, como limites à movimentação intra-europeia.

Os alarmes estão a soar: alguns destes partidos, como a Frente Nacional (FN) de Marine le Pen ou o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) podem ficar em primeiro lugar. O caso francês é especialmente importante, porque como França tem 74 eurodeputados, Le Pen poderá arrecadar 20 cadeiras no hemiciclo europeu (actualmente tem apenas três).

Na sua estratégia de mostrar a FN como menos extremista, Le Pen conseguiu uma vitória ao receber o “sim” a uma aliança de Geert Wilders, o político holandês conhecido tanto pelo seu populismo e cabelo pintado de louro como pela veia islamófoba – que agora está a dar lugar a uma retórica anti-UE. É uma reviravolta digna de nota, já que ainda em 2007 o holandês comentava que “pessoas como Le Pen” eram “horríveis” (Wilders é pró-israelita e Le Pen-pai já foi condenado por minimizar o Holocausto.)

Agora, a francesa e o holandês vão trabalhar juntos tentando obter um grupo parlamentar eurocéptico (precisam de 25 deputados de sete países diferentes), o que lhe dará várias vantagens, como acesso a mais financiamento e influência. Vão, anunciaram, destruir a Europa por dentro e “libertar” os seus eleitores “da elite europeia, o monstro de Bruxelas”.

Tea Party europeu
Alguns comentadores falaram no surgimento de um Tea Party europeu, houve até quem evocasse o perigo de um “shutdown” da União Europeia, como a paralisação do Governo federal americano provocado pelo Partido Republicano em Outubro.

Estes medos devem ser exagerados. Se é verdade que, com um grupo parlamentar, estes partidos terão mais financiamento e mais capacidade de influenciar a política, também é inegável que enfrentam várias dificuldades.

A primeira é a formação de um grupo entre partidos muito diferentes. Muitos não se querem ver ligados a outros, que dificultariam a sua estratégia de normalização – ninguém quer estar no mesmo grupo de partidos xenófobos e violentos como o húngaro Jobbik ou o grego Aurora Dourada (estes ficam automaticamente excluídos do grupo de Le Pen e Wilders) e mesmo a Frente Nacional é demasiado extremista para a maior parte dos membros do UKIP.

A segunda dificuldade será continuar o grupo: “O desafio de formar um grupo pode revelar-se bem mais fácil do que mantê-lo”, disse o comentador Daniel Hamilton. As posições destes partidos em termos de economia são muito variadas, desde a defesa do Estado social à menor intervenção estatal possível.

O grau de coesão de votação dos partidos do actual grupo Europa da Liberdade e Democracia (dominado pela Liga Norte de Itália e pelo UKIP, com 34 eurodeputados) é o menor, abaixo dos 50% (para comparação, os três principais grupos têm todos coesão acima de 90%). E o nacionalismo de uns pode chocar com os restantes (como o site criado por Wilders sugerindo aos holandeses que se queixassem de “problemas causados por europeus do Centro e de Leste”).

Praticamente irrelevante
Em termos da política decidida com influência directa destes deputados, muito provavelmente, não acontecerá nada. “Para nós, a influência dos eurodeputados eurocépticos espalhados pelo Parlamento Europeu será mais ou menos a mesma da actual colheita: praticamente irrelevante”, diz um estudo da consultora MHP de Olivier Gergely (do centro de estudos European Ideas, patrocinado pelo grupo dos Populares) e Stephanie Gautier (da MHP).

Actualmente, a extrema-direita e a direita populista no PE estão divididas entre um grupo organizado (o grupo Europa da Liberdade e Democracia – ELD –, dominado pela Liga Norte de Itália e pelo UKIP) e deputados sem grupo (como o Jobbik ou o Partido Nacional Britânico).

O grupo ELD é o menos participativo, quanto à elaboração de relatórios e emissão de opiniões, nota o estudo “Conflicted Politicians – the populist radical right in the European Parliament”, de Marley Morris, especialista do britânico Counterpoint Institute. E nem em propostas de alterações de legislação o grupo teve grande sucesso: em 65 propostas, apenas duas foram aprovadas: uma técnica, pela Liga Norte, pedindo mais indicações do país de origem de alguns produtos importados de países terceiros, e outra em relação ao tempo de resposta do Presidente ou do secretário-geral aos eurodeputados.

Um outro estudo, este do instituto Notre Europe sobre o equilíbrio de poder no próximo Parlamento Europeu, diz que mesmo se os deputados eurocépticos (de direita e de esquerda) chegarem aos 200 (num total de 751, mais do que os actuais 140 entre os actuais 766 – e destes menos de 60 são de extrema-direita) os outros 550 deputados vão ter de se esforçar mais para chegar a um consenso nas questões importantes.

Consenso forçado
Este consenso forçado poderá ser, para os autores do estudo Yves Bertoncini (director do instituto Notre Europe) e Valentin Kreilinger (investigador), um ponto negativo. Os partidos do centro podem acabar por soar todos ao mesmo, sem tomarem posições claramente diferentes, representando pontos de vista divergentes, como os seus eleitorados.

Outro perigo é o da contaminação do “mainstream” político pelas ideias populistas. Aconteceu no Reino Unido por causa do UKIP, na Grécia por causa do Aurora Dourada. Transposto directamente para o nível europeu, ninguém espera que discursos inflamados no PE influenciem a polícia do Executivo europeu. No entanto, Marley Morris admitiu ao PÚBLICO a hipótese de haver uma influência em duas fases, em que os partidos populistas influenciam os governos nacionais, que por seu turno influenciam a nível europeu.
Mas como já é esperado que as eleições europeias tenham uma forte componente de protesto, aumentada pela fraca participação, e como o Parlamento Europeu não é um local onde a cobertura seja particularmente exaustiva, esta influência poderá ficar diminuída.

O problema é que assim fica também diminuída a sensação de relevância democrática do PE, o que associado à cada vez maior potencial convergência dos partidos do centro, pode dar a sensação de que o Parlamento Europeu não conta afinal para nada, e que não há um verdadeiro debate europeu, apenas um consenso de mínimo denominador comum. Essa seria a vitória dos eurocépticos.
 
 

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