2015: Ano Europeu do (Des)envolvimento?
O Poder Local demonstra ser capaz de “olhar o rosto do outro” de forma humana e solidária
Foi o Tratado de Lisboa que ancorou firmemente a política de cooperação para o desenvolvimento na ação externa da União, cujo principal objetivo consiste na redução e, a longo prazo, na erradicação da pobreza, tal como consagrado no artigo 21.º do Tratado da União Europeia e no artigo 208.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e contribuindo também dessa forma para a realização da Estratégia Europa 2020.
Outro dos grandes objetivos do Ano Europeu para o Desenvolvimento é promover junto dos cidadãos da Europa e dos países em desenvolvimento um sentimento comum de responsabilidade, solidariedade e oportunidade, num mundo em permanente mutação e cada vez mais interdependente.
Com efeito, nunca foi tão oportuno e necessário encararmos a cooperação como um efetivo instrumento para o desenvolvimento, sendo por isso essencial voltarmos a revisitar as metas do Milénio, onde a erradicação da pobreza constituía um dos combates mais emergentes, urgentes e indeclináveis, mas que ainda nos encontramos tão longe de alcançar.
Assim, este Ano Europeu constitui, tem de constituir, uma oportunidade única para a Europa se reencontrar com os seus valores fundadores, percebendo que tem que mudar rumo a uma estratégia que crie riqueza e ativos qualificados, contribuindo de forma determinada e decisiva para a erradicação da pobreza no Mundo.
Se souber ser o principal agente de luta contra a pobreza, promovendo o acesso à educação, à saúde e à cultura, recuperando referências e regressando à ideia maior de que todos os Direitos Humanos são condição essencial e garante de paz, a Europa pode criar “paz sobre o ódio, criar paz com os olhos secos” como escreveu Agostinho Neto no poema “Criar”.
O Ano Europeu deve e pode igualmente contribuir para combater todas as formas de discriminação de género que ainda atingem as mulheres e raparigas em diversas regiões, especialmente no acesso à educação, ao emprego e aos sistemas de saúde.
O casamento forçado, a exploração sexual, a mutilação genital e outras práticas inaceitáveis a que continuamos a assistir, muitas vezes bem perto e sem que nada aconteça, são violações bárbaras dos mais elementares Direitos Humanos das Mulheres que a Europa tem que combater se quer manter o lugar de vanguarda na defesa de todos os Direitos Cívicos.
Na cerimónia a que aludi, Jorge Sampaio enfatizou a necessidade da Europa não desperdiçar esta oportunidade, fazendo convergir todos os esforços, sem lógicas concorrenciais inúteis, no combate à pobreza e numa aposta intransigente na educação.
Neste caminho, estamos muito e bem acompanhados pelos cidadãos europeus, como demonstra o inquérito do Eurobarómetro intitulado “Solidariedade para com o mundo inteiro - Os cidadãos europeus e o desenvolvimento”, publicado em 2012, com 85% dos cidadãos da UE inquiridos a mostrarem-se favoráveis à concessão de ajuda às populações de países parceiros, apesar da crise económica.
As autarquias portuguesas têm um enorme historial na cooperação com os países de língua portuguesa, porque há muito que perceberam que cooperar não é apenas ajudar, e que será o desenvolvimento global que trará a paz, a segurança e a corporização dos direitos humanos, sendo esse o trabalho da Rede Intermunicipal para a Cooperação e Desenvolvimento constituída em 2013 e que integra 15 Municípios de Norte a Sul do País.
Mais uma vez o Poder Local demonstra ser capaz de “olhar o rosto do outro” de forma humana e solidária, porque em matéria de direitos humanos, não podem existir diferentes interpretações, linguagens, línguas ou tradições: na cooperação e no combate pelo desenvolvimento só existe espaço para a universalidade. Para que possamos ser mundo e futuro feito de dignidade e (des)envolvimento numa Casa Comum.
Presidente da CM de Odivelas, Presidente da Rede Intermunicipal para a Cooperação e Desenvolvimento, Vice-Presidente da ANMP