Uma década depois "faltam" réus no julgamento do Prestige

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Cerca de 50.000 toneladas de fuelóleo foram derramadas para o oceano, poluindo milhares de quilómetros de litoral espanhol e francês HUGO DELGADO

Começou ontem o processo que deverá apurar as culpas pela pior maré negra da história de Espanha, mas as associações ecologistas criticam a ausência de responsáveis políticos da lista de acusados

O julgamento, que começou ontem no recinto ExpoCoruña, vai determinar quem foram os responsáveis pela catástrofe e como devem pagar os danos que causaram. Cerca de 50.000 toneladas de fuelóleo foram derramadas do petroleiro Prestige, cobrindo as praias e zonas rochosas da Galiza, Astúrias, Cantábria e França com um combustível tóxico e pastoso, chamado chapapote.

Ontem pouco antes das 10h, começaram oito meses de um "mega-julgamento", durante o qual deverão intervir 70 advogados e 27 procuradores. Neste arranque estiveram sentados no banco dos réus o capitão do petroleiro (o grego Apostolos Mangouras), o chefe de máquinas (Nikolaos Argyropoulos) e o ex-director-geral da Marinha Mercante (José Luis López-Sors González). O primeiro-oficial, o filipino Ireneo Maloto, continua em parte incerta.

De início, apenas estão em cima da mesa questões processuais e o processo só será retomado a 13 de Novembro, dia em que começam a ser ouvidos os acusados. Em causa estão crimes contra os recursos naturais e o ambiente, danos e desobediência. As penas variam entre os quatro e os 12 anos de prisão. Em Dezembro começam as declarações de 140 testemunhas, entre elas o antigo ministro espanhol do Fomento Francisco Álvarez Cascos.

Apostolos Mangouras é considerado o principal responsável pela catástrofe e incorre numa pena de 12 anos de prisão. Segundo o jornal El País, o antigo capitão assistiu imperturbável à frenética sessão de fotografias que provocou ao entrar na sala de audiências e à leitura do resumo escrito da acusação, onde foram lembradas as circunstâncias do acidente. O seu advogado, José María Ruiz Soroa, disse que vai alegar que o navio tinha todas as certificações oficiais necessárias para navegar.

López-Sors é acusado pela plataforma Nunca Máis e pela Izquierda Unida de ter agravado a catástrofe ao ter ordenado que o navio se afastasse da costa, em vez de o levar para um porto de refúgio. A plataforma pede cinco anos de prisão para López-Sors.

A 13 de Novembro de 2002, o Prestige, um petroleiro liberiano com pavilhão das Baamas, carregado com 77.000 toneladas de fuelóleo, foi apanhado em plena tempestade ao largo da Galiza. Um rombo no casco foi o princípio da catástrofe. A 19 de Novembro, depois de seis dias à deriva no oceano Atlântico, o petroleiro partiu-se em dois e afundou-se, a 250 quilómetros das costas da Galiza.

No espaço de poucas semanas, cerca de 50.000 toneladas de fuelóleo foram derramadas para o oceano, poluindo milhares de quilómetros de litoral espanhol e francês. Mais de 300.000 voluntários de todo o mundo estiveram na Galiza para ajudar na limpeza das praias e no resgate de animais atingidos pelo petróleo.

O Ministério Público apresentou ontem um relatório que estima em 4121 milhões de euros os prejuízos económicos causados, incluindo as reivindicações de 1500 prejudicados, os gastos com o resgate e limpeza e os danos infligidos à natureza.

Críticas e protestos

Ontem, mais de 200 pessoas manifestaram-se às portas do recinto onde decorre o julgamento, convocadas pela plataforma Nunca Máis. Protestaram contra a lentidão da Justiça e contra a falta de responsáveis políticos sentados no banco dos réus. Um dos nomes mais famosos da plataforma, o escritor Manuel Rivas, insistiu em pedir mais responsabilidades políticas do Governo que em 2002 era presidido por José María Aznar, segundo o El Mundo.

As críticas surgem ainda da organização Ecologistas en Acción. Para estes ambientalistas, aquilo que é mais evidente é "a falta de pessoas no banco dos réus" e a "falta de medidas para evitar que um desastre semelhante volte a repetir-se", diz um comunicado.

"É evidente que a actuação de López-Sors não foi unilateral, que a cadeia de decisões chegou a responsáveis políticos mais elevados", disse Jaime Doreste, do departamento jurídico da organização.

De fora fica também a empresa ABS, que certificou que o petroleiro estava apto para navegar, acrescentou Doreste, dizendo ainda que a lentidão da Justiça espanhola contrasta com a maneira como decorreu o processo do Erika, petroleiro na origem de uma maré negra em França, em 1999.

A organização Greenpeace também tem críticas. "A Greenpeace foi testemunha do que se fez e como se fez. Dez anos depois vemos com indignação que apenas um antigo alto cargo do Governo enfrentará todas as responsabilidades derivadas das decisões que foram tomadas e que nenhuma das empresas envolvidas se senta no banco dos réus."

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