Sem um dia de tréguas, Sarkozy parte à conquista dos votos de Le Pen

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O socialista François Hollande acusou Sarkozy de querer lançar os franceses uns contra os outros FRED DUFOUR/AFP

A campanha para a segunda volta das presidenciais francesas promete ser frenética. Hollande e Sarkozy esgrimem argumentos, com a votação recorde da Frente Nacional em pano de fundo

"Fim". É assim, com uma foto de Nicolas Sarkozy, a tapar a cara com a mão, a capa da provocadora revista Marianne, no dia a seguir à primeira volta das eleições presidenciais ganha pelo socialista François Hollande. Mas, para o Presidente, o jogo ainda não acabou, entrou apenas numa nova fase. A táctica, essa, continua a ser a de jogar à direita, com um discurso capaz de conquistar votos entre os seis milhões de franceses que escolheram Marine Le Pen.

Todas as sondagens têm dado François Hollande como o vencedor da segunda volta - embora não tenham previsto que os franceses iriam acorrer em massa às urnas, com uma afluência de 80%. Os analistas vêem nisto uma vontade de protestar - contra a crise, contra os políticos, contra as dificuldades da vida, contra o "Presidente dos ricos". Essa leitura é uma das formas possíveis de compreender o resultado obtido por Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional (FN), o partido "anti-sistema", que, ao mesmo tempo, anseia pela normalização, por participar no jogo político. Será mesmo assim?

"O certo é que Marine Le Pen conseguiu voltar a mobilizar o eleitorado da FN que Nicolas Sarkozy tinha conseguido captar nas presidenciais de 2007. Quanto a saber até que ponto é um voto de protesto ou de adesão, é complicado dizer, exige uma análise sociológica do eleitorado", diz Alexandre Dézé, do Centro de Estudos Políticos da Europa Latina da Universidade de Montpelier, autor do livro Le Front National: à la conquête du pouvoir? (Armand Colin).

Para Nicolas Sarkozy e o seu grupo de conselheiros ancorado à direita - tendo à cabeça Patrick Buisson, que foi já da FN -, os eleitores de Marine Le Pen são o reservatório de votos onde esperam colher o que precisam para obter uma vitória a 6 de Maio. Fazem uma leitura simples do número de votos, transferindo o número de eleitores de Le Pen para Sarkozy - embora as contas não sejam assim tão lineares.

Segundo uma sondagem telefónica feita no domingo, dia das eleições, 60% dos eleitores que votaram na Frente Nacional podem estar dispostos a votar em Sarkozy na segunda volta. E, quanto aos que votaram no centrista François Bayrou, a divisão é mais ou menos 30% para Hollande e outro tanto para Sarkozy. Espera-se que Bayrou se pronuncie - talvez - por algum dos candidatos, coisa que não fez em 2007, quando obteve 19%, mais ou menos o dobro de 2012. Quanto aos votos de Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda, embora o ex-socialista não tenha mencionado o nome de Hollande, apelou à mobilização para a derrota de Sarkozy.

Contas feitas no final, a vantagem mantém-se do lado de Hollande. E se os eleitores de Le Pen lhe forem fiéis, as coisas não estão boas para Sarkozy: ela fez seu o objectivo de arrasar o Presidente e garante que não vai dar indicação de voto nenhuma. Louis Aliot, vice-presidente da Frente Nacional e companheiro de Marine Le Pen, garantiu ontem que vai votar, mas o seu boletim estará em branco.

"Não critico o voto"

Sarkozy, já de volta à estrada ontem, cortejou sem qualquer embaraço estes eleitores: "Quando se sofre, tem-se direito a fazer a escolha que se quer. Vi como Hollande falou para o povo de esquerda. É a diferença entre nós. Eu falo ao povo francês. Não critico o voto de ninguém", disse num comício em Saint-Cyr sur Loire.

O ritmo previsto para estas semanas, adianta o Le Figaro, é de um comício diário, transmitido na televisão, e uma entrevista diária também. Exposição mediática até à exaustão, para compensar os efeitos da igualdade de tempo de antena entre os dez candidatos da primeira volta, da qual o Presidente tanto se queixou - eram dez contra um, lamentou-se. Repetidamente.

O que Le Pen quer, de facto, é alcandorar-se a líder da oposição, face a um Presidente socialista e uma maioria de esquerda. "Somos a única oposição à esquerda ultraliberal, laxista e libertária", declarou Marine, que conseguiu mais um milhão de eleitores do que o seu pai, Jean-Marie, na primeira volta das presidenciais de 2002, quando obteve o seu melhor resultado.

Marine Le Pen quer "fazer explodir a direita", leia-se a UMP. "Esta ideia é um pouco bizarra", comenta Alexandre Dézé. "Mas claro que ela quer tornar a FN o mais forte possível, e pesar sobre as legislativas [primeira volta a 10 de Junho e segunda a 17]. A FN deverá disputar uma centena de triangulares na segunda volta", diz. "Vai concorrer com uma nova etiqueta, o Rassemblement Bleu Marine, com a esperança de atrair políticos ligados a correntes soberanistas e mais à direita da UMP", explica.

Mas a estratégia de "desdiabolização" imposta ao partido por Marine Le Pen, para o tornar uma força política normal, não é facilmente aceite pela própria Frente Nacional. "Há tensões muito fortes dentro do partido, entre os que consideram que se deve conservar a linha de Jean-Marie Le Pen e os megretistas regressados [partidários de Bruno Mégret, que saiu da FN em 1998, defendendo uma aliança com a direita para chegar ao poder]. Há uma grande reorganização e reorientação estratégica a fazer", diz o investigador.

A curto prazo, o dia dos grandes confrontos será o 1º de Maio, véspera do debate a dois na televisão entre Sarkozy e Hollande.

Sarkozy abriu a polémica ontem anunciando a "festa dos verdadeiros trabalhadores", no Trocadero, em Paris. "Sarkozy sabe por acaso o que é falso trabalho em França?", respondeu Hollande, acusando-o de "lançar os franceses uns contra os outros."

Mas Marine Le Pen, que não costuma comemorar o dia dos trabalhadores - embora agora seja "a candidata do povo" -, não fica de fora das festas do 1 de Maio. Só que o que a candidata da "excepção francesa" comemora nesse dia é Joana d"Arc, símbolo da defesa da França contra os inimigos. Na Praça da Ópera, há bandeiras, discursos, o menu habitual. Os socialistas ainda não decidiram o que vão fazer, mas Paris estará ao rubro nesse dia.

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