Nobel da Química para três investigadores de uma proteína verde que brilha no escuro
O primeiro descobriu-a; o segundo utilizou-a para estudar as células vivas; o terceiro fê-la brilhar com todas as cores do arco-íris. Os três partilham o prémio
a Chama-se GFP (green fluorescent protein), é uma proteína produzida por uma pequena medusa que vive ao largo da costa oeste da América do Norte e esteve na origem de uma revolução na biologia, porque permitiu ver o invisível: tumores a crescer, neurónios a desenvolver-se no cérebro, proteínas a agirem dentro das células vivas. Osamu Shimomura, Martin Chalfie e Roger Tsien, os laureados do Prémio Nobel da Química 2008, atribuído ontem, foram os primeiros a perceber a importância desta luzinha verde na escuridão.Hoje, a GFP tornou-se tão comum que até serve nas artes plásticas e para fazer brinquedos fluorescentes. Mas o caminho para a fama começou há décadas no Japão.
Em 1955, Shimomura (hoje com 80 anos), que tinha interrompido os estudos por causa da II Guerra, foi trabalhar como assistente num laboratório da Universidade de Nagoya. O seu chefe confiou-lhe "um projecto aparentemente impossível", lê-se num documento do Comité Nobel: "descobrir o que fazia com que os restos esmagados de um [certo] molusco brilhassem quando eram humedecidos". O incrível é que este jovem triunfou onde cientistas confirmados tinham falhado, purificando, em 1956, uma proteína 37 mil vezes mais brilhante do que o molusco.
Mal publicou os resultados - que lhe valeram um doutoramento, apesar de não ser um dos doutorandos do laboratório -, Shimomura foi contratado pela Universidade de Princeton, nos EUA (ulteriormente, mudou-se para o célebre Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole). Foi em Princeton que, em 1961, descobriu a GFP, produzida pela medusa Aequorea victoria. Só anos mais tarde voltou a interessar-se por ela, desvendando então o processo químico por detrás da fluorescência da GFP, que brilha quando é iluminada por luz ultravioleta ou azul.
Sem aditivo
"O que é revolucionário na GPF é que não precisa de nenhum aditivo para brilhar", salienta o documento. Pode ser usada sem injectar nenhuma substância nas células que a fabricam: basta iluminá-las para a GFP brilhar. Foi precisamente o segundo laureado (Chalfie) quem conseguiu, décadas depois, fazer com que as mais variadas células produzissem GFP, podendo ser iluminadas "de dentro" para serem estudadas.
Chalfie ouviu falar na GFP pela primeira vez em 1988. Para ele, as propriedades luminosas da proteína eram uma muito boa notícia. Na altura, estudava um milimétrico verme chamado Caenorhabditis elegans, que, "apesar de ter apenas 959 células, possui um cérebro, envelhece e reproduz-se sexualmente" e é um dos organismos mais estudados no mundo - para além de ser transparente, o que permite ver o que acontece no seu interior.
"Chalfie percebeu que uma proteína verde fluorescente daria uma ferramenta fantástica para cartografar este verme, iluminando as diversas actividades que decorrem nas suas células". E isto, mesmo ao nível molecular: bastaria identificar o gene da GFP (o que viria a ser feito dois anos mais tarde) e "atrelá-lo" aos genes de outras proteínas em qualquer tipo de célula para ver onde as proteínas eram produzidas. Seria como ter um microscópio para olhar para a maquinaria mais íntima das células. Dito e feito: a 11 de Fevereiro de 1994, a revista Science publicava na capa uma fotografia de C. elegans com vários neurónios a brilhar com uma luz verde.
Coube a Tsien, hoje na Universidade da Califórnia, desenvolver uma série de proteínas capazes de emitir luz de todas as cores - nomeadamente, para seguir o rasto a vários processos celulares em simultâneo. "Hoje", diz o comunicado, "46 anos depois de Shimomura ter descrito a proteína verde fluorescente, existe um caleidoscópio de proteínas de tipo GFP que brilham com todas as cores do arco-íris".