Hungria limita independência do banco central, ao arrepio da UE
Iniciativa é a última deriva autoritária do Governo conservador. Negociações com FMI ficam em causa
Ignorando os avisos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, o Parlamento húngaro aprovou ontem uma lei que limita a autonomia do banco central, na última de uma série de derivas autoritárias do Governo conservador de Viktor Orban, ao arrepio das normas europeias.
O diploma foi aprovado por 293 dos 386 deputados do Parlamento de Budapeste, onde a aliança liderada pelo Fidesz detém dois terços dos lugares. É graças a esta supermaioria que Orban aprovou em 18 meses uma nova Constituição e mais de uma dezena de diplomas que condicionam a liberdade dos media e garantem o controlo do Governo sobre quase todas as instituições públicas, do Tribunal Constitucional à Comissão Eleitoral.
Uma das últimas vozes independentes era o governador do banco central, Andras Simor, e foi ele o alvo da lei aprovada na última sessão legislativa do ano: a partir de 2012, a administração do banco terá três vice-governadores (mais um do que actualmente) e o conselho monetário passará de sete para nove membros, e em ambos os casos as nomeações serão feitas pelo primeiro-ministro.
A proposta esteve na origem da ruptura, no início do mês, das negociações preliminares entre o Governo e representantes do FMI e da UE para a concessão de uma linha de crédito à Hungria, salva em 2008 da bancarrota por um empréstimo de 20 mil milhões de euros que o país se esforça agora por pagar. Numa primeira reacção à votação, a Comissão Europeia anunciou que vai "avaliar o alcance jurídico da nova lei", dando a entender que poderá enviar o caso para o Tribunal Europeu de Justiça, se o diploma violar os tratados europeus.
Ontem, foram ainda aprovadas alterações de última hora à nova Constituição - que só entra em vigor a 1 de Janeiro. Entre elas está um novo artigo que dá ao procurador-geral o poder de escolher o tribunal em que irá decorrer qualquer processo e um outro que responsabiliza, de forma retroactiva, o Partido Socialista "pelos crimes do antigo regime". Sucessor do ex-partido comunista, o MSZP é o principal partido da oposição, destronado em 2010 pelo Fidesz. Todas estas alterações têm "valor constitucional", o que significa que só podem ser anuladas por uma votação de dois terços - um dispositivo que para o ex-primeiro-ministro belga e líder da bancada liberal do Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, mais não é do que "um cavalo de Tróia de um sistema político autoritário que visa a perpetuação no poder de um único partido".