Donald Trump é só uma piada?
Há dois meses, Donald Trump escreveu um artigo no "Wall Street Journal" com o título "A América Precisa de um Presidente Como Eu". Ainda ninguém percebeu porquê, mas a sua candidatura, por inacreditável que pareça, pode vir a influenciar o resultado das presidenciais de 2000.
Mestre da arte da auto-promoção, Donald Trump, o milionário que adora modelos e detesta apertos de mão, vai decidir em Janeiro se se candidata a Presidente dos Estados Unidos. Parece uma piada.Em Nova Iorque, onde vive, e em Washington, para onde gostava de se mudar, ainda só se ouvem gargalhadas e anedotas. A Casa Branca com um casino? Um néon a anunciar T-R-U-M-P na Sala Oval? Meninas semi-nuas a servir nos jantares oficiais?Mas a entrada de Trump na corrida pode ter consequências mais sérias nas presidenciais do próximo ano do que se imagina.O próprio Trump, 53 anos, é um quase-candidato difícil de se acreditar. Fala como um adolescente, tem um problema agudo de egocentrismo, só usa superlativos e namora com uma modelo de 26 anos que diz que "tudo o que ele toca" se "transforma em ouro". Nas entrevistas, Trump começa todas as respostas com uma das seguintes versões: 1. "Bem, não há ninguém com muito mais sucesso do que eu" 2. "Eu sou o maior promotor imobiliário da cidade mais excitante do mundo." 3. "Ficar rico é um grande talento." 4. "Eu estou a construir edifícios de 90 andares por todo lado."Na sexta-feira, quando anunciou a criação de um comité exploratório para avaliar se tem hipóteses sérias de ganhar, Trump explicou que a motivação é simples: tem sondagens "fantásticas" a seu favor; há um interesse mediático "inacreditável" e o apoio do eleitorado é "gigantesco". A sua maior preocupação é a saúde, quer baixar os impostos e está a pensar convidar Oprah Winfrey, a apresentadora do "talk-show" mais popular da América, para sua vice-Presidente.Sondagens "fantásticas"? Com um ar sério, Trump explicou há duas semanas que uma sondagem do "National Enquirer" o pôs "lado a lado" com o Governador George W. Bush, o filho do ex-Presidente e provável candidato do Partido Republicano.Mas o "National Enquirer" não é sequer um tablóide. Na categoria de "tablóide de supermercado", é uma revista que inventa notícias sobre a vida privada das celebridades, que publicou a fotografia do "assassino" da Princesa Diana e que revelou o "segredo homossexual de Monica Lewinsky".À partida, Trump não é diferente das estrelas de cinema que estão a pensar na Casa Branca, como Warren Beatty e Cybill Sheppard. "Qualquer pessoa que se atreve a pensar, nem que seja por um minuto, em candidatar-se a Presidente, o cargo mais importante do país mais poderoso do mundo, tem uma ego-mania enorme", diz Robert Thompson, director do Centro para o Estudo da Televisão Popular na Universidade de Syracuse, que estuda a "arte da televisão" como um departamento de musicologia estuda Mozart.Mas Trump pode vir a ser mais do que um ego-candidato porque se se candidatar vai fazê-lo pelo Partido da Reforma, fundado por Ross Perot para quebrar o bipartidarismo democrata-republicano. Em 1992, a candidatura desta "terceira via" americana foi um dos factores que fez George Bush perder a reeleição. Perot teve 19 por cento dos votos.E por isso, Trump não deve ser arrumado a um canto como um absurdo. Trump pertence à facção de Jessy "Body" Ventura, o rei da luta livre que no ano passado foi eleito Governador do Minnesota, e que está em guerra interna com a facção de Perot, o "pai" do reformismo. Perot apoia Patrick Buchanan, o ultra-conservador que quer fechar as fronteiras a imigrantes e à importação e que escrevia discursos para o Presidente Richard Nixon.Quem ganhar a nomeação pelos reformistas vai concorrer contra os candidatos dos dois partidos grandes, o Democrata e o Republicano, em princípio o vice-Presidente Al Gore e George W. Bush.Se Trump ganhar, Al Gore perde votos. Se Buchanan ganhar, George W. Bush perde votos. Trump disse esta semana que só se candidata para "ganhar tudo", a nomeação e a seguir a Casa Branca. Mas à excepção do "National Enquirer", todas as sondagens o colocam em último. Uma sondagem da CNN sobre o Partido da Reforma deu 28 por cento a Buchanan, 24 a Ventura e 11 a Trump. Outra, da cadeia de televisão Fox, deu 49 a Buchanan e 24 a Trump, e uma terceira feita esta semana por uma universidade revelou que 66 por cento dos nova-iorquinos não votaria em Trump por nada deste mundo.Mesmo que Trump não avance, a sua eventual candidatura vai obrigar Buchanan a lutar a sério pela nomeação no Congresso em Agosto e a explicar algumas coisas. Num livro publicado em Setembro, Buchanan defende que os EUA deviam ter feito um acordo com a Alemanha em 1941 porque até Pearl Harbour não havia razão para ser hostil ao regime nazi. Trump não perdeu a oportunidade: "Buchanan tem uma paixão por Adolf Hitler."Já chega? A um ano, um mês e nove dias das eleições presidenciais, há muito mais a acontecer na vida política americana. Os tempos em que os candidatos a Presidente eram senadores, governadores ou, como um colunista disse outro dia, "generais que orquestraram a derrota de Hitler" (Eisenhower), desapareceram. Agora, quase basta ser uma celebridade.Ronald Reagan foi actor e depois foi eleito duas vezes Governador da Califórnia e duas vezes Presidente. Mas este ano a lista de estrelas, de Hollywood, da televisão e do desporto, aumenta todas as semanas.Warren Beatty, 63 anos, é o mais falado. O actor, que acusa os dois grandes partidos de participarem num "golpe de estado em câmara lenta" para os "interesses dos ricos vencerem os dos pobres", disse que, para já, só está a ocupar "um vácuo temporário" que permite ser ouvido. Mas além de alguns amigos e do Partido Comunista Americano - sim, ainda existe - ninguém parece acreditar seriamente na sua candidatura.Hollywood, com os seus infindáveis recursos, não fica por aqui. A actriz Cybill Shepherd também está a pensar concorrer e Arnold Schwarzenegger, preocupado com a "insensibilidade" do seu Partido Republicano, está a pensar candidatar-se a Governador da Califórnia em 2002 (não pode ser eleito Presidente porque não nasceu nos EUA).Há ainda o jogador de basquetebol Charles Barkley e Jerry Springer, o apresentador do "Springer Show", no qual os convidados costumam acabar aos murros, quer ser senador.Bem-vindos ao "Wild Bunch", como lhe chama a "Newsweek", que explica este cenário através da nova América pós-Monica, que desfez "o que restava da linha divisória entre o sério e o circo"."A política e o espectáculo são, em muitos aspectos, a mesma profissão", disse ao PÚBLICO Robert Thompson, da Universidade de Syracuse. "Especialmente em democracia."Os políticos têm que ser eleitos, têm que apelar às massas e têm que falar a audiências de uma forma simples. "Não é surpreendente que, nesta era de ciclos de 24 horas de notícias na qual a vida política está na televisão todos os dias, as pessoas que são boas no mundo do espectáculo pensem que podem ser boas em política", diz o professor.Melhor prova do que Jesse Ventura, o Governador que este mês revelou que a religião "é uma coisa para mentes fracas" e que gostava de reencarnar como "um soutien número 38"?E se há um Governador Jessy "Body" Ventura, porque não um Governador Arnold "Terminator" Schwarzenegger?Além disso, como diz Pat Buchanan, a "nação está aborrecida" e a "política tem que voltar a ser excitante".Na "velha era de Jefferson", diz o professor Thompson, "não havia políticos profissionais". Havia agricultores ou advogados que, ocasionalmente, iam servir o público. "Esta noção de que só os políticos profissionais é que são candidatos legítimos é relativamente nova."Além disso, 200 anos depois, quatro em cada dez americanos diz que o sistema de dois partidos "não funciona". Vai Trump ser a "terceira via"? O milionário tem problemas sérios. Ninguém acredita que consiga viver numa casa tão pequena como a Casa Branca. Tem fobia de apertar as mãos (um gesto "primitivo", diz, referindo-se aos germes que se transmitem) - uma campanha sem abraços e beijos a bebés? E um último pormenor. Trump diz que vai tomar a decisão final em Janeiro. O seu novo livro é lançado em Dezembro.