Detenções de opositores em Bissau no dia a seguir ao ataque a base militar
Governo de transição fala em tentativa de contragolpe apoiada por Portugal. Críticos e observadores vêem ataque de domingo como encenação para silenciar opositores do poder militar que derrubou Gomes Júnior
Militares guineenses detiveram ontem Iancuba Indjai, dirigente da Frenagolpe, uma organização que agrupa pessoas, partidos e entidades opositores do golpe que, em Abril, afastou o primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior. Ao fim da tarde havia notícia de pelo menos outra detenção e de perseguição a opositores. Com as fronteiras terrestres encerradas, a situação era de grande incerteza no país.
A detenção de Iancuba Indjai e de Bitchofla Na Fafé, um ex-comissário da polícia considerado próximo de Gomes Júnior, e a perseguição a outros opositores do poder militar, dão força à ideia - defendida ao PÚBLICO por diferentes fontes guineenses e conhecedores da situação político-militar - de que o ataque da madrugada de domingo a uma base aérea nos arredores de Bissau foi uma "encenação" para silenciar vozes discordantes.
Ibrahima Sow, um militante do PAIGC (Partido Africano da Guiné e Cabo Verde), procurava ontem refúgio na representação da União Europeia, depois de não ter conseguido entrar na missão das Nações Unidas. Uma fonte que falou na condição de não ser identificada descreveu o ambiente na cidade como sendo de "pânico total". Outra disse que a população está com "os nervos em franja".
Durante a manhã, militares fardados invadiram a sede do PAIGC, à procura de pessoas que pretenderiam deter. No interior, rasgaram cartazes da campanha de Gomes Júnior, líder do partido e vencedor da primeira volta das eleições presidenciais do início do ano, e agora exilado em Portugal. A segunda volta não chegou a realizar-se devido a um golpe liderado pelo chefe do Estado-Maior, general António Indjai. Por volta da hora do almoço, indivíduos à paisana, alegados militares, voltaram, tendo detido junto à sede Iancuba Indjai, que fora convocado para uma reunião. O dirigente da Frenagolpe foi levado num jipe sem matrícula, de vidros escurecidos.
Está a haver uma "caça às bruxas, aproveitaram-se de um incidente qualquer no quartel, mataram pessoas para justificar o que estão a fazer agora, para apanhar aqueles que já tinham na mira", disse ao PÚBLICO Guie Aissatu Indjai, filha do dirigente da Frenagolpe detido. É "uma farsa montada para apanhar certas pessoas". "Desde ontem [domingo] o desenho era claro: ligaram-me às 7h para chamar a atenção do meu pai, porque já estavam a relacionar o nome dele ao que aconteceu", contou. "[António] Indjai tinha exigido ao Governo que calasse o meu pai, senão ele mesmo o calava."
No domingo, num contexto de rumores de contragolpe, que se avolumaram nos últimos meses, foi anunciado que homens armados atacaram instalações de uma unidade de elite do Exército, os Boinas Vermelhas, perto do aeroporto de Bissau. Foram mortas seis ou sete pessoas - o número diverge conforme a fonte - uma sentinela e cinco ou seis atacantes de etnia flupe. Cerca de 12 horas depois, num comunicado citado pela AFP, o executivo pós-golpe acusou Portugal, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Gomes Júnior de instigarem o ataque à base de pára-comandos, numa "tentativa de desestabilização" para "derrubar o Governo de transição". O Ministério dos Negócios Estrangeiros português recusou comentar.
Os assaltantes seriam liderados por Pansau N"Tchama, um capitão considerado um dos executores, em 2009, do Presidente João Bernardo Vieira, "Nino". N"Tchama esteve nos últimos anos em formação em Portugal e foi apresentado pelos militares como próximo de Gomes Júnior. Outras informações descrevem-no como apoiante do ex-chefe do Estado-Maior Tagme Na Waie - morto um dia antes de "Nino" - e igualmente "bastante leal" a Indjai.
Um dos guineenses com quem o PÚBLICO falou, conhecedor dos meandros da vida político-militar do país, chama a atenção para o facto de as vítimas do ataque apresentarem sinais de queimaduras. Considera "pouco convincentes" as explicações do Governo de transição, que procura ligar o que aconteceu no domingo ao regime deposto, a Portugal e à CPLP. O objectivo, diz, é inviabilizar o envolvimento lusófono numa solução para o país.
Kumba "mexe cordelinhos"
Xavier Figueiredo, director do boletim África Monitor, vê os acontecimentos de domingo como "uma encenação montada por Indjai no seu próprio interesse ". A referência ao envolvimento de Pansau N"Tchama seria uma forma de tentar provar o alegado envolvimento de Portugal.
Para este jornalista, que há décadas acompanha a Guiné-Bissau, o que aconteceu nos últimos dois dias deve ser visto no quadro da progressiva "contestação a Indjai" nas Forças Armadas. O líder do golpe de Abril não conseguiu em Setembro fazer aprovar uma lista de promoções e estaria a ser obrigado por outros chefes militares a aceitar o regresso de Bubo Na Tchuto, um almirante rival, recém-libertado depois de ter sido detido por alegado golpe contra Gomes Júnior, em Dezembro do ano passado.
Questionado sobre o papel de Kumba Ialá, ex-Presidente, considerado o inspirador do derrube de Gomes Júnior, em Abril, o director do África Monitor considera que o candidato derrotado na primeira volta das presidenciais, pertencente à etnia balanta, predominante nas Forças Armadas, "mexe os cordelinhos todos e toda a gente lhe obedece".