Bento XVI acusado por revista científica de distorcer dados sobre eficácia do preservativo
Revista médica The Lancet pediu a Bento XVI que se retractasse e defendeu que declarações "cientificamente falsas" têm consequências devastadoras
a Uma das mais prestigiadas revistas de medicina, a Lancet, acusou ontem o Papa de distorcer as provas científicas quanto à eficácia do preservativo no combate à sida e pediu a Bento XVI que se retractasse. Na semana passada, durante a sua primeira viagem a África, o líder da Igreja Católica disse que a proliferação da sida "não pode ser vencida só com dinheiro, nem com a distribuição de preservativos, que até pode aumentar o problema"."Quando uma pessoa com tal influência, seja uma figura religiosa ou política, faz uma declaração científica falsa que pode ter consequências devastadoras para a saúde de milhões de pessoas, deve retractar-se ou corrigir publicamente o que foi dito", lê-se no editorial da Lancet. As declarações de Bento XVI, feitas a caminho dos Camarões, onde iniciou a visita a África, que passou também por Angola, causaram uma forte polémica e foram criticadas por várias organizações e pelos Governos da Alemanha, da França e da Bélgica.
OMS contraria Papa
A Organização Mundial de Saúde emitiu um comunicado em que refere que o preservativo é "o único e o mais eficiente modo" para reduzir a transmissão do HIV por via sexual, recordou a Lancet. "Não é claro se o erro do Papa se deveu à ignorância ou a uma tentativa deliberada de manipular a ciência para apoiar a ideologia católica", adiantou a revista, que acusou ainda o Vaticano de ter "alterado ainda mais a verdade" quando referiu as declarações de Bento XVI.
O correspondente da BBC em Roma, David Willey, sublinhou que a posição do Vaticano "assenta no princípio segundo o qual encorajar as pessoas a usar preservativo apenas minimiza o efeito de um comportamento que, por si só, põe vidas em perigo". Bento XVI defendeu em África que "os ensinamentos tradicionais da Igreja provaram ser o único caminho seguro para prevenir a disseminação da sida", o que passa pela abstinência sexual e pela fidelidade nos casamentos heterossexuais.
Não é comum a Lancet pronunciar-se de forma tão incisiva sobre declarações de personalidades públicas. Desta vez, no entanto, a revista pede a Bento XVI que se retracte. "Menos que isso seria um péssimo serviço para o público e para todos aqueles que promovem a saúde, incluindo milhares de católicos, que trabalham incessantemente para travar a disseminação da sida em todo o mundo".
As declarações de Bento XVI foram apoiadas por Edward Green, director do Centro de Prevenção da Sida do departamento de estudos sobre a população e o desenvolvimento da Universidade de Harvard, que em declarações à edição on-line da National Review disse não ter sido encontrada "uma ligação consistente entre o uso de preservativos e taxas de infecção pelo HIV mais baixas". Segundo Green, a distribuição de preservativos leva a uma "compensação do risco" e pode levar as pessoas a ter mais comportamentos de risco.
O director do programa da ONU para a sida, Michael Bartos, qualificou a afirmação "absurda" e disse ao Times londrino que "se as pessoas estiverem a usar mais o preservativo em sítios onde é mais provável que sejam infectadas com o HIV, isso é positivo".
A sida já causou 25 milhões de mortos em todo o mundo. Cerca de 33 milhões vivem actualmente infectados e, apesar de a esperança de vida ter aumentado com a medicação mais recente, não há perspectiva de cura num futuro próximo. De acordo com o programa da ONU sobre a sida, o UNAIDS, só em 2007 foram infectados 1,7 milhões de pessoas na África subsariana, onde vivem com HIV mais de 22 milhões de pessoas.
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milhões de pessoas vivem actualmente com HIV, segundo a ONU, mais de 22 milhões na África subsariana