Liga Árabe termina cimeira com rejeição do mandado do TPI contra Presidente sudanês
Apesar de ser acusado de crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, Omar al-Bashir participou na reunião em Doha, onde esteve também o secretário-geral da ONU
a Os líderes árabes ontem reunidos em Doha, Qatar, rejeitaram um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado pelo tribunal de Haia por crimes de guerra pela morte de mais de 300 mil pessoas na região sudanesa do Darfur.A reunião da Liga Árabe começou dominada pela presença de Bashir - ainda se especulou que ele poderia não aparecer no encontro de Doha -, já que foi também a primeira vez, desde a acusação, que o líder sudanês e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se encontraram na mesma sala.
O Qatar é o quarto destino de Bashir desde que foi acusado pelo TPI a 4 de Março - esteve entretanto na Eritreia, Egipto e Líbia. Estes países tinham já expressado a sua oposição ao mandado do tribunal de Haia. Apenas três membros da Liga Árabe são parte do estatuto que criou o TPI: a Jordânia, o Djibuti e as ilhas Comores.
O conflito no Darfur foi referenciado pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU ao TPI - os Estados Unidos, apesar de não serem signatários do Estatuto de Roma, abstiveram-se, permitindo a aprovação no CS do envio do caso para o TPI.
A ONU diz que mais de 300 mil pessoas morreram nos confrontos entre milícias árabes e rebeldes africanos negros que começaram em 2003. Cerca de 2,7 milhões de pessoas foram deslocadas. O regime de Bashir diz que morreram cerca de 10 mil pessoas.
Ban e Bashir
O Sudão reagiu ao anúncio do mandado de captura do seu Presidente - a primeira deste tribunal a um Presidente em exercício - com a expulsão de 13 organizações não-governamentais (ONG) que prestavam ajuda a mais de 4 milhões de pessoas.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, aproveitou a sua presença na reunião da Liga Árabe para criticar esta decisão: "Continuo extremamente preocupado pela decisão do Governo de expulsar organizações não-governamentais essenciais, e de suspender o trabalho de três ONG nacionais que davam serviços que permitiam a um milhão de pessoas continuar a viver", disse Ban, citado pela AFP. "Peço mais uma vez às autoridades sudanesas para reverterem esta decisão."
"Os esforços de ajuda não devem ser politizados", continuou o secretário-geral da ONU. "As pessoas que necessitam de ajuda devem ser ajudadas, independentemente das diferenças políticas."
"Ao mesmo tempo, a paz e a justiça são princípios-chave das Nações Unidas. Devemo-nos comprometer com ambos", concluiu Ban Ki-moon, que antes tinha afirmado: "Devíamos trabalhar juntos para ultrapassar as tensões relacionadas" com o tribunal.
Dois pesos e duas medidas
Bashir, pelo seu lado, classificou o tribunal como "uma instituição não-democrática que aplica dois pesos e duas medidas, atingem os fracos e fecham os olhos aos criminosos", cita a estação de televisão pan-árabe Al-Jazira on-line.
A Liga Árabe, cuja reunião deveria terminar hoje mas foi encurtada acabando por ser ontem finalizada, rejeitou em comunicado o mandado do TPI, considerando que quaisquer esforços para lidar com a situação no Darfur tinham de ter um acordo entre todas as facções envolvidas.
São muitos os países árabes que vêem o tribunal como tendo dois pesos e duas medidas. O Presidente sírio, Bashar al-Assad, tinha antes sugerido que fossem primeiro presos "aqueles que cometeram massacres e atrocidades na Palestina, Iraque, e Líbano".
"Sublinhamos a nossa solidariedade com o Sudão e a nossa rejeição das decisões do TPI contra o Presidente Bashir", dizia o comunicado final, lido pelo secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa.
O Presidente acusado agradeceu ao Qatar a cimeira "frutuosa", descreve a agência noticiosa francesa.
Em destaque na reunião estiveram ainda negociações de paz israelo-palestinianas, embora a ausência do Presidente egípcio, Hosni Mubarak, fosse muito notada. Cairo e Doha têm apoiado facções palestinianas rivais.
O Presidente sírio tinha-se queixado de que, com Benjamin Netanyahu no próximo Governo israelita, os árabes não têm "um parceiro para a paz".
Assad pediu a "suspensão" da oferta da iniciativa de paz árabe que previa uma normalização das relações diplomáticas dos países árabes com Israel se este retirasse dos territórios ocupados, mas não chegou a defender que a proposta ao Estado hebraico fosse retirada.