Desilusão ensombra primeiro aniversário da revolução laranja
Para muitos ucranianos, a ilusão revolucionária desmoronou-se definitivamente em Setembro, quando o Presidente Iuschenko demitiu Iúlia Timochenko, do cargo de primeira-ministra.
A popularidade de Iuschenko continua em queda. Por José Milhazes
Kiev, a capital da Ucrânia, engalanou-se ontem de cor de laranja para comemorar o primeiro aniversário da euforia que rodeou uma revolução, cujas imagens prenderam a atenção do mundo, mas que foi seguida de desilusão e lutas intestinas pelo poder entre os novos dirigentes do país."O nosso maior êxito foi a liberdade, pois há doze meses atrás não éramos livres. Os piores pecados que podemos cometer são a desconfiança e a desilusão. Necessitamos de mais tempo" - sublinhou Victor Iuschenko, Presidente da Ucrânia, e dirigente da revolução laranja, que assumiu o poder em Janeiro passado, depois de umas eleições presidenciais muito renhidas e cheias de peripécias.
Uma fraude eleitoral, que dava a vitória nas presidenciais a Victor Ianukovitch, aposta do Presidente Leonid Kutchma e de Moscovo para a contenda com Iuschenko, levou, na noite de 21 de Novembro de 2004, os ucranianos a sair à rua, bloqueando o funcionamento do Governo numa campanha pacífica de desobediência civil.
Hoje, dizem as sondagens, a maior parte dos 47 milhões de ucranianos já se cansou de esperar e considera que Iuschenko e a sua equipa não cumpriram as promessas feitas na Praça da Independência de Kiev perante centenas de milhares de apoiantes. Desde Fevereiro passado até ao presente, a popularidade do dirigente ucraniano sofreu uma quebra de 32,4 por cento, atingindo a marca de 12,1 por cento.
De pouco valerá, agora, a grande torrente de medidas lançadas por Iuschenko para travar a corrupção na administração pública, que desencadeou a actual crise política. "Ladrões para a cadeia! Prometo que, em três meses, todos os funcionários declararão seus rendimentos e despesas. Esta medida revolucionária converter-se-á em norma", assegurou Iuschenko aos microfones da rádio pública.
Para muitos ucranianos, a ilusão revolucionária desmoronou-se definitivamente em Setembro, quando Iuschenko demitiu Iúlia Timochenko, heroína da revolução laranja, do cargo de primeira-ministra. Esta havia lançado uma campanha radical de renacionalizações no campo da economia, com a qual criou inimigos na vizinha Rússia e no Ocidente, bem como entre alguns oligarcas que tinham financiado a revolução, como é o caso de Petró Porochenko.
As convulsões políticas tiveram sérios reflexos negativos na economia do país e, por conseguinte, no nível de vida dos ucranianos, que por si já não era alto. Arseni Iatseniuk, ministro da Economia da Ucrânia, reconheceu que, se, em 2004, o crescimento do Produto Interno Bruto foi de 12,1por cento, este ano, não deverá chegar aos 3 por cento. Os investimentos estrangeiros diminuíram 7,2 por cento.
Outros ucranianos não se esqueceram que Iuschenko, para conseguir a aprovação da candidatura do novo primeiro-ministro, Iúri Ielhanurov, no Parlamento, renunciou aos ideais revolucionários ao assinar um acordo com o seu antigo rival, Victor Ianukovitch.
As dificuldades económicas, as acusações de corrupção entre homens próximos de Iuschenko propiciaram mesmo um regresso triunfal ao palco político de Ianukovitch, que muitos analistas já consideravam um "cadáver". "O pão e circo acabaram depressa. Esta data deve ser recordada, porque nos conduziu a uma crise económica e política. Perdemos um ano inteiro", assinalou Ianukovitch.
Parlamentares em MarçoSegundo as sondagens, o Partido das Regiões, chefiado por este político pró-russo, é o favorito nas próximas parlamentares, a realizar em Março, com 17,5 por cento das intenções de voto. A Nossa Ucrânia, bloco dirigido por Iuschenko, conseguirá 13,5 por cento, um ponto mais apenas do que o liderado por Iúlia Timoschenko.
A importância das próximas eleições reside no facto da reforma eleitoral, acordada durante a revolução e que entrará em vigor a 1 de Janeiro de 2006, reduzir fortemente os poderes presidenciais a favor do Parlamento, órgão que, por exemplo, passará a nomear o primeiro-ministro.
Os desaires económicos e políticos da equipa de Iuschenko fizeram também com que o ingresso da Ucrânia na Organização Mundial do Comércio tenha sido adiada.
E puseram a Ucrânia ainda mais à mercê da Rússia. "A mudança de dirigentes não conduziu nem a uma reorientação geopolítica clara da Ucrânia do Leste para o Ocidente, nem ao melhoramento do nível de vida dos ucranianos", considera Arseni Oganessian, analista político da agência oficiosa de notícias russa RIA Novosti.
Bem sucedida, a revolução laranja poderia ser um forte impulso para movimentos democráticos nas antigas repúblicas soviéticas, particularmente na Bielorrússia. Por enquanto, não o é.