Urban Sketchers: Quando os desenhos são mais reais do que as fotografias

O Porto pode ler-se a pinceladas finas ou a traços grossos, de forma monocromática ou inundado de cor. Cada desenho é uma impressão pessoal e a partilha é o mais importante de tudo.

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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Ana Luísa Frazão
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz
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Várias ruas do Porto foram alvo da atenção dos desenhadores que participaram neste encontro Tiago Cruz

A página dupla do caderno, que foi construído pela própria Ana Luísa Frazão (“uso um papel de gramagem muito grossa, que não se encontra com facilidade”, justifica), completa-se com um esboço rápido de uma perspectiva da Rua de Santa Catarina. 

É isto que fazem o Urban Sketchers. Aprisionam em folhas de papel o quotidiano e as paisagens, a arquitectura e os indivíduos, os pormenores e as panorâmicas, com lápis ou canetas, com muitas cores ou sem recorrer a elas. E é nos encontros que cada uma das comunidades organiza esporadicamente que gostam de trocar experiências e partilhar técnicas.

Para Ana Luísa Frazão, que diz ter “prateleiras e prateleiras de cadernos de desenhos” feitos um pouco por todo o lado, é a primeira vez que desenha o Porto. Diz que todas as cidades são especiais, e que o Porto não é diferente.

Ana Isabel, uma funcionária pública de Lisboa mas que vive e trabalha no Porto há muitos anos, discorda, e diz que há cidades que pedem mais para ser desenhadas do que outras. “Amarante, por exemplo. Ainda tenho a intenção de organizar um encontro destes lá”, exemplifica. 

Foi no meio da Rua de Santa Catarina que o PÚBLICO as foi encontrar. Ana Isabel estava sentada numa cadeira a desenhar o Grande Hotel do Porto. Ana Luísa, de pé, trazia às costas a mochila onde cabem os recortes de jornais e revistas, aguarelas e canetas, cadernos e até uma cadeira. “Não trouxe as luvas”, acabou por confessar. E estava muito frio neste domingo de manhã. Frio a ponto de Helena Boa Nova, reformada da profissão de professora de Filosofia, mas muito activa e ocupada na profissão de “cuidadora” de uma mãe com Alzheimer e de dois netos com a energia de todas as crianças, acabar por desistir durante a manhã. “Não posso ficar doente”, argumentou, revelando pudor em mostrar as páginas do caderno. “Sou nova nestas andanças, apesar de ter em casa mais livros de pintura e desenho do que de Filosofia.” Mas lá mostrou a página do caderno, com várias linhas finas a dar contorno a um carrinho de venda de castanhas. Se fizesse parte do movimento Urban Sketchers, saberia que teria de acabar a publicá-lo online.

Tiago Cruz, organizador do encontro, explica que não é preciso fazer parte da comunidade para participar nestas iniciativas. Por isso foi possível encontrar neste domingo de manhã cerca de duas dezenas de pessoas de caderno na mão, vindas de Esposende e de Aveiro, de Espanha e até de Itália - Giancarlo Sanna é estudante de Erasmus. A maior parte delas não têm o nome inscrito no portal global da comunidade. Nele estão listados os nomes de milhares de pessoas de todo o mundo, das quais 83 portugueses. “Uns desenham arquitectura de toda uma rua, ou apenas uma fachada. Outros um pormenor, uma pessoa, um carro, um prato de comida. Uns podem demorar-se várias horas a fazer um sketch. Outros não gostam de demorar mais do que cinco, dez minutos. Eu próprio estabeleço para mim os 20 minutos como limite. Depois disso fico farto”, explica ao PÚBLICO.  Mas, insiste, não é preciso muita experiência. “Só é preciso querer desenhar, gostar de fazê-lo”, sintetiza.

E o que leva as pessoas a querer desenhar? Armando Baldaia, empregado de escritório, avança com uma resposta. Armando não tem nenhuma formação em artes visuais. Inscreveu-se, recentemente, e “por acaso”, no Clube de Desenho no Porto onde está a ter aulas. É a explicar esse acaso que deixa perceber o que pode levar as pessoas a querer desenhar. “Antes do desenho, eu dedicava-me à fotografia. Desisti, com este advento do digital. Já não tem piada. É tudo falso, trabalhado, filtrado, distorcido. Hoje toda a gente fotografa. As fotografias são banais. Nos desenhos são todos diferentes. Em cada sketch há uma voz individual”, argumenta Armando Baldaia, antes de sintetizar, de forma exemplar, a pulsão, que o leva a querer fazer pelo menos um desenho por dia: “Há mais verdade e mais realismo num desenho do que numa fotografia”. 

O objectivo dos Urban Sketchers pode resumir-se ao último dos oito pontos que constituiu o manifesto da organização. “Mostramos o mundo, um desenho de cada vez”. Ontem, foi a vez de mostrar o Porto ao mundo através de dezenas de desenhos.

Um manifesto com milhares de seguidores em todo o mundo
O movimento dos Urban Sketchers surgiu há apenas sete anos pela mão de um ilustrador espanhol, Gabriel Campanário, que trabalha num jornal de Seattle, nos Estados Unidos, onde publica regularmente uma página com desenhos. Daí à explosão na Internet e à adesão ao grupo no Flickr que Campanário criou para partilha de desenhos foi um passo curto. O grupo no Flickr deu lugar a um blogue que assume uma escala mundial (urbansketchers.org), e o movimento transformou-se numa organização sem fins lucrativos, permitindo-se ramificações em vários países, onde as comunidades se podem organizar em vários grupos. Foi assim que surgiu, há três anos, a comunidade Urban Sketchers Portugal Norte, que realizou neste domingo na cidade do Porto o seu quarto encontro.

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