Autarcas da AMP revoltados com decisão sobre STCP

Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto, em vias de extinção, aprovou concessão da rede fora do Porto por dez anos

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A possibilidade de ser integrado na agenda da reunião da moribunda AMTP um ponto que implicasse alterações na gestão da rede da STCP já corria entre alguns autarcas na segunda-feira. O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, disse ao PÚBLICO que foi esse hipótese que o levou a telefonar a Hermínio Loureiro, antes da reunião. “Por se ter constado que uma proposta deste tipo seria apresentada é que, antecipadamente, avisei o doutor Hermínio Loureiro de que não iria aceitar qualquer mudança na STCP. Ele garantiu-me que o Conselho Metropolitano não viabilizaria qualquer mudança das concessões”, diz.

De facto, o presidente da comissão executiva do CmP, Lino Ferreira, votou contra a proposta, nascida de um requerimento da STCP, para que a AMTP deliberasse “aditar ao regime geral da concessão (…) os títulos de concessão para exploração do serviço público de transporte de passageiros, concedidos a operadores internos”. Com dois votos a favor – de Joaquim Cavalheiro, presidente da AMTP, e da vogal Ana Pereira de Miranda – e o voto contra de Lino Ferreira, a autoridade cuja extinção foi já decretada, tendo efeitos a 9 de Agosto, aprovou juntar à concessão o conjunto das linhas que operavam fora da cidade do Porto, algumas das quais, por operadores privados.

O requerimento da STCP tem a data do dia 15 de Junho, um dia antes da reunião, e esta foi uma das razões invocadas por Lino Ferreira para justificar o voto contra. O representante do CmP argumentou ainda, na sua declaração de voto, que a AMP não tivera conhecimento prévio deste ponto e, portanto, não pudera sequer ouvir os autarcas sobre ele. Apesar disto, o facto de Lino Ferreira ter permanecido na reunião está a ser motivo de fortes críticas, por parte de alguns autarcas, que querem mais esclarecimentos de Hermínio Loureiro.

A notícia da concessão das linhas de transporte colectivo fora do município do Porto foi avançada, esta quinta-feira, pelo Jornal de Notícias. No artigo, explicava-se que o concessionário espanhol que venceu o concurso de concessão a STCP ganha, com esta decisão da AMTP, durante dez anos, a exploração das linhas nos municípios já referidos, quando até aqui, a STCP partilhava essa exploração com empresas privadas e, tal como elas, tinha de ver essa concessão renovada de seis em seis meses. O diário indicava ainda que a presença do representante do CmP permitira a existência de quórum, pelo que a sua ausência teria inviabilizado que a proposta fosse sequer votada.

Este facto foi o que mais indignou o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, que ao final da manhã de ontem, à margem de uma cerimónia envolvendo o Eixo Atlântico, o classificou como “muito grave”. Apesar de, nessa altura, esperar ainda pelas explicações de Hermínio Loureiro, o autarca independente não deixou de dizer: “Isto só acontece porque o CmP esteve presente numa reunião onde não devia ter estado presente”. Uma atitude de “colaboração”, no entender de Guilherme Pinto que, defendeu: “Vai ter de me ser explicada.”

Mais crítico ainda foi o socialista Eduardo Vítor Rodrigues, que afirmou: “No momento em que, na reunião, tentaram a martelo meter pontos, [Lino Ferreira] deveria abandonar a reunião. Ficar lá e votar contra é uma forma comodista de viabilizar aquilo. Não me interessa o sentido de voto. Não tem que decidir coisas sobre as quais não tem competência nem legitimidade para decidir. O presidente da comissão executiva faz os que os presidentes de câmara mandarem. Julgo que ele estará a tentar ser presidente de câmara sem ir a votos” O autarca de Gaia disse mesmo que “neste momento, está em causa a confiança política de Gaia sobre o presidente da comissão executiva”.

O PÚBLICO tentou ouvir Hermínio Loureiro, mas tal não foi possível e, à tarde, o líder do CmP emitiu uma declaração, afirmando que os municípios “enquanto futura entidade gestora das actuais competências da AMTP, deveriam ter sido ouvidos com a necessária antecedência sobre as medidas que vão trazer alterações significativas às linhas operadas pela STCP, o que não se verificou”. O também presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis esclareceu que a AMP só soube do agendamento da proposta “no dia da reunião” e garantiu que a AMP e os municípios que o compõem “accionarão todos os mecanismos legais ao seu dispor para impedir que esta proposta entre em vigor”.

A AMTP será oficialmente extinta a 9 de Agosto, contudo, uma cláusula do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros, que entrou em vigor no dia da publicação do diploma, a 9 de Junho de 2015, permite que a autoridade cuja morte é decretada possa ainda decidir sobre o alargamento da concessão dos transportes colectivos sob a sua alçada. Foi ao abrigo desta possibilidade que a AMTP decidiu na terça-feira. Além de defender que a AMTP “já não tem condições jurídicas para deliberar o que deliberou”, Eduardo Vítor Rodrigues considera que a decisão “esvaziou completamente a nova autoridade metropolitana de transportes, que irá ficar sob a tutela dos municípios”, depois de 9 de Agosto.

Argumentos repetidos pelo presidente da Câmara de Gondomar, Marco Martins, que classifica a decisão da AMTP como “uma vergonha”. “O município de Gondomar não foi consultado para nada e na lista de concessões estão lá duas linhas que são operadas por privados e quatro que não operam desde 2007. Vou pedir esclarecimentos, porque todo este processo foi feito à revelia dos autarcas e esvaziando as nossas competências futuras”, disse. José Manuel Ribeiro, da Câmara de Valongo, ainda estava ontem a digerir a informação que, disse, o tinha apanhado “completamente de surpresa” e o deixou “estarrecido”. “Preciso de me informar melhor sobre o que se passou, mas isto só vem adensar ainda mais uma série de suspeitas sobre o processo de concessão e parece-me claro que o Governo da República não está a acautelar o interesse público”, disse.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, recusou-se a comentar a decisão da AMTP e não foi possível ouvir, também, o presidente da Câmara da Maia, Bragança Fernandes. O comunicado do CmP não referia qualquer data para a reunião de urgência que os autarcas de Gaia e de Gondomar garantem ter já solicitado.

O vice-presidente do grupo parlamentar do PS na Assembleia da república, João Paulo Correia, também criticou o processo, classificando como "vergonhosa" a actuação do ministro da Economia e acusando-o de utilizar uma "entidade que o próprio Governo extinguiu" para aprovar a proposta que prevê o alargamento da concessão das linhas operadas pela STCP por dez anos. "Tomam-se decisões com esta profundidade sem a mínima coordenação com os municípios. É demasiado grave. O Governo devia ter vergonha de utilizar as entidades públicas desta forma. E devia também ter vergonha de menosprezar como tem menosprezado, e até desprezado, os autarcas da AMP", afirmou à  Lusa.     

 

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