Pode uma vila do interior ser um exemplo para o país? Arouca acredita que sim

Círculo Mais Democracia é uma plataforma cívica, apartidária, que quer pensar o território. Sobrinho Simões faz parte do núcleo duro. Sampaio da Nóvoa é o convidado da próxima conferência

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Paulo Ricca

O Círculo Mais Democracia quer escutar especialistas conceituados em várias áreas, unir pontas, mostrar que o crescimento de uma comunidade também se faz de baixo para cima e sem partidos pelo meio.

O investigador, médico, professor catedrático Sobrinho Simões, com raízes em Arouca, terra do avô e do pais, faz parte do núcleo duro da plataforma constituído sobretudo por académicos com carreiras em várias áreas e nascidos ou com ligações ao concelho. Sobrinho Simões tem casa em Arouca, onde passa férias e alguns fins-de-semana, e acredita nas potencialidades do município, desde as imensas possibilidades ligadas à floresta e à agricultura, às condições excepcionais do geoparque, ao que é feito pelos miúdos das escolas. O Círculo Mais Democracia quer contactar a diáspora arouquense e organizar encontros entre gente que nasceu em Arouca e trabalha pelo mundo e os alunos - sobretudo da Secundária de Arouca que tem conquistado importantes prémios científicos.

“Arouca é quase um paradigma. É um embrião do que devia ser Portugal”, comenta Sobrinho Simões, acrescentando que poderá “ser ingénuo mas que está genuinamente” neste movimento. As potencialidades têm de ser mostradas, viradas do avesso, discutidas. Arouca está no interior do país e é aí que as pessoas têm mais dificuldade de se fazerem ouvir. O Mais Democracia não quer que assim seja. Sobrinho Simões acredita que Arouca pode “dar o exemplo” ao país e acredita que uma comunidade pode crescer de baixo para cima. “Não é crível que os interesses de desenvolvimento e crescimento da sociedade sejam mais fáceis de fazer de cima para baixo do que localmente”. O movimento é apartidário. “Acredito na existência de forças não necessariamente enquadradas por partidos políticos”, refere. Não se quer, sublinha, “reproduzir os vícios dos partidos”. Quer-se discutir as entranhas de Arouca. “O grande em Portugal não funciona, quem sabe se um pequeno inteligente, um pequeno moderno, estruturado por gente que esteve lá fora e regressou e que tem experiências diferentes de organização social, que não tem necessidade de lutar por parcelas de terreno, não resultará”. É precisamente por aí que o investigador considera que a Arouca pode ser um exemplo para o país. “No interior, há condições excepcionais para actividades muito organizadas”, avisa.

“Não é uma animação de bairro”
Manuel Brandão Alves, professor catedrático de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa, é natural de Arouca, tem lá casa, e está no núcleo duro do Círculo Mais Democracia que começou a ganhar formas no Verão do ano passado. Há aspectos que convém esclarecer para que não haja dúvidas da forma como esta plataforma se movimenta no terreno. “Não é uma animação de bairro, mas uma reflexão de qualidade capaz de ser replicada, entendida, reflectida por outras iniciativas de qualidade”, diz quem não esconde a ambição de colocar na agenda conferências internacionais em Arouca. E também não se trata de “um grupo de estrangeirados” que voltou a Arouca com ideias feitas. Nada disso. “Aprendemos muito com o que é dito nas conferências”, garante.

Brandão Alves está satisfeito com a repercussão que as conferências seguidas de tertúlias, que duram algumas horas, têm tido. Sente que os assuntos podem “fermentar” outras reflexões e a verdade é que as conversas continuam nas ruas. “Têm deixado rasto”, assegura. O movimento surge para, explica, “criar uma maior densidade de vivência democrática entre as pessoas que vivem no mesmo espaço e na mesma comunidade e isso constrói-se de muitas maneiras”, afirma. O conceito de tertúlia é valorizado pela plataforma que quer mostrar que é possível pensar e fazer coisas em Arouca. “É importante desenhar estratégias de qualidade que podem mudar as coisas”. “Não podemos ignorar o que é possível fazer de baixo para cima e não podemos pensar que tudo pode ser feito de cima para baixo”, observa.

Maria de Lurdes Fernandes, ex-vice-reitora da Universidade do Porto, professora catedrática da Faculdade de Letras do Porto, nasceu em Arouca e também faz parte da fundação do Mais Democracia. Olha para Arouca como um “laboratório interessante”, com um modelo de desenvolvimento diferente dos restantes municípios da Área Metropolitana do Porto – talvez pelas dificuldades de acesso -, com condições físicas, naturais e de práticas ancestrais ímpares, e que pode ser um exemplo de como é possível colocar pessoas de diversas áreas a reflectir. “É importante que as pessoas se habituem a participar em fóruns de discussão, que reflictam em temas abrangentes mas particularmente relevantes na região”. A participação é fundamental para que todos “sintam que são parte da construção de soluções”. E quanto mais informadas, mais capazes de encontrar caminhos.

Ivo Brandão, músico e assessor de comunicação da Câmara de Arouca, também está no Mais Democracia e tem sentido que as gentes da terra querem aprofundar literatura, discutir assuntos. Consegue-se tirar pessoas do sofá e colocar na agenda temas prementes. “Se vamos mudar coisas, não sei, mas acho que lançamos o caminho. A câmara, as instituições, as associações fazem o seu trabalho, faltava algo que congregasse isso tudo”, comenta. Por isso, acredita que a plataforma cívica é capaz de “unir as pontas”.

A Câmara de Arouca disponibiliza espaço e ajuda na divulgação das conferências. O socialista Artur Neves, presidente da câmara, já assistiu a uma das conversas e vê com bons olhos o Mais Democracia. A discussão de temas abrangentes focados no território de Arouca e as visões que dali podem surgir agradam-lhe e não lhe causam mossa. “É uma intervenção cívica, uma plataforma de apoio, que vejo de forma muito positiva. São descendentes de Arouca muito bem sucedidos nas suas carreiras, sobretudo académica, gente de sucesso universitário e empresarial”. “Arouca não é só futebol, tem indústria, tem património, tem gastronomia. É um orgulho ver essa gente que se valorizou ao mais alto nível interessada em discutir e intervir no território”, acrescenta.

O autarca tem estado atento ao que ali é dito e discutido e garante que não vê ninguém colocar-se em bicos de pés. “É uma intervenção cívica muito interessante e não numa perspectiva de protagonismo para protagonistas e que, na minha opinião, até devia ser seguida a nível nacional”, confessa.

Aqui não interessa a costela política
As conferências-tertúlias começaram em Fevereiro com o ambicioso título Construir o Futuro em Arouca e com a presença de João Ferrão, professor e investigador e antigo secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. Em Março, falou-se da floresta na tertúlia Mais de Dois Séculos de Políticas Florestais Erradas com Américo Mendes, professor associado da Universidade Católica do Porto e presidente da Associação Florestal do Vale do Sousa.

A próxima está marcada para 18 de Abril com Sampaio da Nóvoa, professor catedrático e anterior reitor da Universidade de Lisboa, convidado ainda antes de se conhecer a sua intenção de se candidatar à Presidência da República. Foi pelo currículo que o convite foi feito e algum tempo antes de saltar para os holofotes da política. Sampaio da Nóvoa falará de Estado Social e Democracia no auditório da loja interactiva de turismo de Arouca, a partir das cinco da tarde. A 16 de Maio, Constantino Sakellarides, médico, professor, especialista em Saúde Pública, é convidado para falar sobre Políticas de Saúde e Inteligência Colaborativa. A 6 de Junho, José António Pinto Ribeiro, ex-ministro da Cultura, estará em Arouca para abordar questões relacionadas com a justiça.

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