Parceiro privado que gere a água de Faro tem lucro certo, câmara fica com prejuízo
O Tribunal de Contas (TC), através de uma auditoria realizada à empresa municipal Fagar – criada há sete anos, com capitais maioritariamente municipais, para gerir o sector das águas e resíduos sólidos no concelho de Faro–, aponta um desvio médio de 47,4% nas suas contas de 2010, calculado "entre a previsão e o resultado liquido das operações".
O relatório recomenda "uma melhor regulação do processo de reequilíbrio financeiro e económico" da Fagar. A manter-se a "tendência crescente" de derrapagem serão precisos 25,6 milhões de euros para reequilibrar as contas até 2039, data prevista para o fim do projecto.
O equilíbrio de interesses entre os investidores privados da Fagar (os espanhóis da Sacyr) e o município, na óptica do TC, não está salvaguardado. O lucro está garantido para os primeiros, o risco fica para a câmara. "O acordo financeiro alcançado não prevê qualquer transferência efectiva de risco para o parceiro privado, na medida em que a rentabilidade do projecto está, em última instância, sempre garantida por via do esforço ou do parceiro público, ou dos consumidores, ou de ambos", diz o relatório. O contrato base possui um plano de investimentos e um conjunto de pressupostos de reequilíbrio financeiro e económico "tendo em vista a manutenção de uma Taxa Interna de Rentabilidade de 8,41% para os accionistas de direito privado".
Razão pela qual o tribunal recomenda que sejam tomadas medidas para "impedir a transferência global de riscos para o sector público". A empresa, na qual o município tem 51% do capital, registou resultados líquidos negativos acumulados entre 2006 e 2010 que ascendem a 3,6 milhões de euros, com um crescimento de 78% de 2009 para 2010, coincidindo com o aumento das tarifas da água. Nos últimos dois anos, a Fagar foi presidida por David Santos, recém-nomeado presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve).
De acordo com o contrato firmado entre o município e a AGS (grupo Somague, detido pela Sacyr) dois meses antes das eleições autárquicas de 2005, a empresa teria a missão de encontrar mecanismos financeiros para resolver os problemas do saneamento básico. Porém, destaca o TC, "encontram-se ainda por realizar grande parte dos investimentos previstos, que permitam levar o abastecimento de água e o saneamento de águas residuais a um maior número de pessoas do concelho de Faro".
O então presidente da câmara, José Vitorino, questionado sobre o facto de o "risco" deste negócio só ter ficado do lado do município, respondeu: " A decisão foi tomada com base num concurso público, de forma transparente, e teve o visto do TC". Ao concurso apresentou-se um único concorrente. "O caderno de encargos impôs que houvesse 20 milhões de euros para investimento", acrescentou. O ex-autarca (então eleito na lista do PSD) acrescentou que tem travado "várias batalhas" para que o actual executivo "esclareça de forma clara as relações com a Fagar".
José Apolinário, o socialista que sucedeu a Vitorino em 2005, adiantou que chegou a "ponderar a hipótese de denunciar o contrato", mas acabou por desistir. "A indemnização atingiria milhões", justificou. A alteração da lei do sector empresarial local, publicada em 2007, disse, "permitiu fazer algumas alterações, mas a taxa de 8,41% o para os accionistas privados é inamovível".
Macário Correia, por seu lado, disse que "as recomendações do TC vão ser rigorosamente seguidas". Sobre o desvio de 47,4% nas contas, o autarca não lhe atribui grande significado. "Os números não se referem a questões recentes, dizem respeito a assuntos que se arrastam desde a fundação da empresa - questões relacionadas com património, contabilizadas em 2010". Para estudar o assunto, acrescentou, foi constituída uma equipa mista - câmara, Fagar e Sacyrque - tem vindo a reunir com regularidade.