Obra de Fernando Lanhas chega finalmente ao Túnel da Ribeira do Porto
Câmara marcou para quarta-feira a inauguração do painel de azulejos colocado no Túnel da Ribeira.
O óleo que deu origem ao azulejo do Túnel da Ribeira é companhia assídua de Paulo Ribeirinho. Está colocado numa das paredes da sua casa, recheada de outras obras de Lanhas e de muitos livros dedicados à sua obra. O engenheiro conheceu o artista em 1975 e faz parte do grupo de seis amigos que procuraram, ao longo de vários anos, colocar uma obra de Lanhas no espaço público da cidade. Ribeirinho nomeia os outros cinco: Adelino Resende, Manuel Cabral, Álvaro Rodrigues, Rui Feijó e Jorge Parracho.
É num daqueles livros sobre o artista que Paulo Ribeirinho tem em casa que se encontra uma fotomontagem relativa à ideia inicial de instalar um grande azulejo de Lanhas no Porto. A imagem mostra um painel gigante, em vermelho e preto, agarrado à escarpa portuense, junto à Ponte da Arrábida. “A reabilitação da marginal do Manuel Fernandes de Sá chegou a incluir o azulejo, como se vê aqui”, diz Paulo Ribeirinho, referindo-se à intervenção concretizada para a Cimeira Ibero-Americana, em 1998.
Desenho feito, chegou a ser concretizado um pequeno estudo em azulejo, para avaliar como ficaria a obra pronta – e que o engenheiro também possui –, mas “questões económicas” acabaram por ditar o fracasso do projecto.
A batalha foi perdida, mas a guerra estava longe de terminar. Os executivos camarários – primeiro o de Fernando Gomes, depois o de Rui Rio – foram sendo contactados, mas o dinheiro e a eficiência necessárias tardavam em concretizar qualquer tipo de projecto. E os anos passavam.
Posta de lado a ideia da Ponte da Arrábida, debatem-se outras hipóteses e o Túnel da Ribeira acaba por sair vencedor. Afinal, Fernando Lanhas participara na execução da obra projectada pelo engenheiro Bernardo Ferrão, e até deixara uma depressão sobre a entrada do túnel do lado da Ponte Luiz I. “Ele deixou ali aquele nicho, mas mal sabia que seria para acolher um painel dele”, diz Manuel Cabral.
Mudança de executivo
O óleo 054-89-93 foi o escolhido por Fernando Lanhas para colocar naquele local. Sem qualquer demonstração de interesse do município em adquirir a obra, o artista decidiu doá-lo à cidade. Os amigos reforçam os esforços para que, desta vez, tudo se concretize.
Lanhas desenha uma Nossa Senhora da Misericórdia que cede à Cooperativa Árvore, onde se iria concretizar o azulejo. A cooperativa vende a obra à Santa Casa da Misericórdia “pelo valor exacto do fornecimento e cozedura dos azulejos”, explica Paulo Ribeirinho. A pintura das 875 peças que compõem o painel será feita por Jorge Parracho, um dos mais próximos amigos de Lanhas, aquele que – diz Manuel Cabral – “Lanhas entendia sempre, mesmo quando já estava surdo”.
Jorge Parracho ainda tem dificuldade em falar de Lanhas. “É um peso muito grande tudo isto, são muitas coisas”, diz. Prefere entregar um pequeno caderno perto, onde escreve pensamentos avulsos. Foi ali que, a 30 de Janeiro de 2012, registou: “Painel da Ribeira. Início dos testes de cor. Cooperativa Árvore”. No dia seguinte, depois de mais um almoço na Casa Monte, onde eram assíduos, escreveu: “Despedi-me de Fernando Lanhas mais cedo, porque fui comprar tintas cerâmicas para o painel da Ribeira”. Quatro dias depois, Fernando Lanhas morria, aos 88 anos.
Para Jorge Parracho, com a perda do amigo nascia outro factor de angústia. As cores finais escolhidas por Fernando Lanhas – branco, laranja e vermelho – afastavam-se muito das originais, “muito mais terra”, descreve. Parracho está hoje convencido de que o problema de visão de Lanhas, que distorcia as cores, avermelhando-as, esteve na origem desta decisão final. “Se fosse hoje insistia até ao fim, até convencê-lo a manter as cores originais”, diz. Quando inicia a pintura das “duas últimas secções do painel”, a 13 de Abril de 2012, Jorge Parracho não imagina que faltam quase três anos para que este seja colocado no túnel.
Foi preciso uma mudança de executivo e que a família de Fernando Lanhas formalizasse a doação decidida em vida pelo artista. E foi preciso começar e acabar a obra de reabilitação do túnel. O novo executivo da Câmara do Porto, ao tomar conhecimento da existência do painel, decidiu custear a sua colocação. A inauguração da obra está marcada para as 12h30 de quarta-feira. Há um ano, o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, dizia ao PÚBLICO que tinha a esperança de fazer coincidir a inauguração do painel com uma exposição dedicada ao trabalho de Fernando Lanhas, mas esta ideia não se vai concretizar. Em vez disso, o vereador prevê apresentar o – também anunciado há um ano – programa de arte pública da cidade, de que o painel de Lanhas é o primeiro exemplo.
Paulo Ribeirinho não vai estar lá. Parte em viagem, no dia anterior. Jorge Parracho também diz que não vai. “Não quero ir à inauguração, quero passar por lá. Quero estar com as pessoas que estiveram no processo todo”, diz. Ribeirinho diz que “aguarda com expectativa” a apresentação do trabalho acabado, mas não baixa os braços. Diz que quer mais. “Combinei sempre com o Lanhas que no dia da inauguração da peça pública devia haver uma exposição fundamental num espaço com dignidade e o lançamento de um livro. Uma inauguração como homenagem pública, sem mais nada, é um foguete que acontece num dia e desaparece. Espero que se faça mais. Ele ainda nem tem uma rua na cidade com o seu nome”, diz.