No bairro que já esteve dividido nasce uma igreja que uniu os moradores

Templo dedicado à Nossa Senhora dos Navegantes é inaugurado este domingo no Parque das Nações, em Lisboa. O projecto inicial foi alterado para reduzir custos, mas o resultado agrada à comunidade.

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A igreja e os dois edifícios de apoio erguem-se num terreno comprado pela paróquia à Parque Expo Enric Vives-Rubio
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Enric Vives-Rubio

Encaixada entre prédios, um colégio e o verde Parque do Tejo, a igreja e os dois edifícios de apoio erguem-se na zona norte do Parque das Nações, num terreno comprado pela paróquia à Parque Expo. O projecto inicial de 7,4 milhões de euros, pensado antes da crise, ficou pelo caminho. O edifício circular não tem vitrais a toda a volta, como se pretendia. A fachada não é, afinal, em mármore translúcido de Estremoz. Os retábulos são apenas “insinuações” dos Mistérios Luminosos de Cristo.

 “Mais vale pisarmos terreno firme do que termos um projecto maravilhoso que exigia custos muito pesados”, afirma Vera Julião, residente no Parque das Nações desde 2005. Se o orçamento inicial caiu para metade (cerca de três milhões de euros), o entusiasmo dos moradores foi aumentando. “Sentíamos um vazio muito grande por não termos uma igreja”, diz. Depois de funcionar na pequena loja, a paróquia passou para um antigo stand de automóveis, instalado na zona onde nasce agora o templo. Na opinião desta moradora de 64 anos, o templo vai “consolidar o sentido de comunidade que nasceu com a nova freguesia”.

O Parque das Nações viveu mais de uma década dividido em dois, entre os concelhos de Lisboa e Loures. Poucos meses após a queda do “muro” em Novembro de 2012, com a integração do território de Loures no concelho da capital, a igreja começou a ser construída. “E foi acabada 15 dias antes da data prevista”, sublinha Joaquim Claudino.

Foi ao arquitecto José Dias Coelho que coube a missão de adaptar o projecto ao bolso da paróquia. E aos materiais que esta foi recebendo, doados por particulares e empresas. Como a brecha de Tavira, uma rocha calcária que usaram para revestir as fachadas e zonas interiores. “Algumas pedras eram refugo, que aproveitámos”, explica Dias Coelho.

Também a pia baptismal e os seixos que sustentam a mesa do altar e o púlpito foram oferecidas pelo dono do campo onde se encontravam, a norte da Serra de Sintra. “É a Natureza que se junta aqui a louvar a Deus connosco”, diz o arquitecto.

Quando se abrirem as portas da Igreja, na tarde deste domingo, às 16h, os visitantes não vão encontrar os tradicionais retábulos trabalhados. As paredes claras ostentam “insinuações” das cenas da Transfiguração de Jesus, da Última Ceia e das Bodas de Caná. Para a primeira, foi utilizada celulose projectada, com relevo que acentua as formas das figuras. As restantes cenas foram “pintadas” a jacto de areia nos azulejos que forram parte da parede. “As pessoas percebem que é uma solução provisória”, acredita.

“Tivemos muito cuidado com a acústica”, sublinha Joaquim Claudino. O tecto em semicírculo tem uma faixa com placas que quebram o som e lembram o casco de um navio — o tema do mar dá o mote à igreja, inspirado na Expo-98 dedicada aos oceanos. As paredes interiores são forradas a madeira. E para os pais com crianças mais barulhentas há duas salas com isolamento acústico de onde podem assistir à missa.

 A igreja tem capacidade para 630 pessoas, sentadas em semicírculo à volta do altar (em vez das tradicionais filas de bancos paralelos) e nas tribunas. Existe ainda uma pequena capela, nas costas do altar principal, para as celebrações diárias.

No piso inferior do templo, há duas capelas mortuárias e nas instalações adjacentes foi criado um cartório, um centro pastoral, uma sede para os escuteiros marítimos (cerca de 600 crianças e jovens) e uma residência paroquial.

Além de uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, que pertencia a um antigo navio de pesca desmantelado, o templo ainda não tem esculturas. Na torre, também não há sinos. “Só quando houver dinheiro”, estima Dias Coelho. Os moradores que integram a paróquia têm-se desdobrado em iniciativas para angariar fundos: corridas, magustos, arraiais... Só no ano passado conseguiram mais de 136 mil euros.

Quando o Patriarca Manuel Clemente entregar as chaves esta tarde ao padre Paulo, vai encerrar 14 anos de espera.

Joaquim Claudino ainda se lembra da resposta do anterior Patriarca de Lisboa, José Policarpo, quando o grupo de cinco moradores lhe disse que queria fundar uma igreja: “É a primeira vez que um grupo de cidadãos me pede para criar uma paróquia.”

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