Na mercearia do Sr. Fausto, ainda se vende a granel e os clientes são velhos conhecidos

Em 1957, Fausto Monteiro tinha acabado de chegar a Lisboa. Em 2014, quase 60 anos depois, passa os dias na Rua da Beneficência, no Bairro do Rego, sempre com um sorriso no rosto. Os seus produtos já não se encontram em muitos outros estabelecimentos e estão ali para clientes de décadas.

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José Maria Ferreira

É enquanto faz questão de realizar as contas à mão, só depois as introduzindo na caixa registadora - não tivesse começado ele a trabalhar numa mercearia com apenas 15 anos de idade -, que o Sr. Fausto, hoje com 84 anos, conta como tudo começou. “O pessoal vinha da província para as mercearias ou para as leitarias. Pastelarias havia poucas”. Foi precisamente assim que nasceu aquela que é hoje a sua “lojinha”, que ainda dura.

Os irmãos já cá estavam e já tinham outros estabelecimentos: “O mais velho dedicou-se ao negócio dos cafés e fomos todos na onda”. Uma onda que mantém aberta, há quase 60 anos, esta pequena mercearia num dos bairros mais antigos da capital, sempre com os produtos já difíceis de encontrar.

A mercearia de sempre, “mesmo ali ao lado”

Sendo comuns em Portugal até meados das décadas de 70, as mercearias tradicionais – com bens como feijão, manteiga, café ou bolachas vendidos avulso e a peso – foram lentamente desaparecendo com o aparecimento dos produtos embalados e normalizados, que surgiram em cadeias como a Val do Rio, uma rede de mercearias, inicialmente espalhadas pelos bairros lisboetas, e que se tornou pioneira no segmento dos minimercados self-service do país.

Mantendo-se afastada dos actuais mini e supermercados, é nestes detalhes que a mercearia do Sr. Fausto se destaca. Apesar de incluir agora alguns produtos embalados, dispostos na estante contrária ao balcão da loja, aqui faz-se questão, não só de manter os produtos avulso, como conhecer todos os clientes, com o Sr. Fausto a morar e a trabalhar na mesma rua.

Depois de “casar tarde”, como diz, aos 28 anos, foi ao mesmo senhorio que alugou quer a sua casa quer a loja. “Pago uma renda, mas não chego a pagar ao senhorio”, brinca. Um percurso de vida, aliás, que está intimamente relacionado com a própria história da loja, como se aperceberá qualquer cliente curioso ou que se prolongue um pouco mais na conversa.

É praticamente impossível não reparar no carinho e na dedicação de Fausto Monteiro à sua “lojinha” que o levam muitas vezes, e mesmo já não tendo a “juventude de outros tempos”, a prolongar o horário de funcionamento. Uma das desvantagens de trabalhar mesmo ao lado de casa, diz: “Chega-se sempre muito tarde. Mas é bom, não há transportes, não há complicações”.

A magia de outros tempos

É esta dedicação que os clientes de sempre lhe reconhecem também. Apesar de tanta coisa ter mudado, desde que abriu a mercearia e comprou, em segunda mão, a máquina de moer café indispensável na altura e que hoje está praticamente parada. “Naquele tempo vendia-se muito café”, lembra. “Agora há fartura de leite, mas noutros tempos não havia. O pequeno-almoço das pessoas era um café ou, como na minha terra, papas de farinha de milho”. Apesar de o negócio estar “reduzido a cinco ou seis produtos: cafés e chás, rebuçados, gomas, chocolates e pouco mais”, o sorriso e competência do Sr. Fausto continuam os mesmos.

Que o diga Carlos Alberto, cliente de décadas: “Já cá venho há muitos anos, tenho 82 anos. Mas isto sempre foi assim, até hoje. Tudo muito coordenadinho, muito simples”. Teresa Silva, dona de uma loja na mesma rua, também é cliente regular: “Já cá venho há 18 anos”.

É precisamente essa a magia, dizem, que encontram na Casa Chás e Cafés. A capacidade de juntar à simpatia o ambiente acolhedor e o atendimento personalizado próprio de quem aprendeu a importância de prestar atenção a cada cliente: “Isso já não existe em muitos lados”, diz Carlos Alberto. “É isto e ele”. É isto, ele, e os produtos que ainda tem e faz questão de manter. “Aquelas bolachas, aqueles palitos, aquelas coisas antigas que ele tinha. Tinha e tem. Ele é muito conservador”.

Como os palmiers, os bolinhos de canela ou as bolachas húngaras. O caju. As nozes. Os pinhões e as amêndoas. Todos expostos na bancada, transportando quem entra para o tempo em que a única preocupação quando se ia às compras era conseguir que as mães ou avós comprassem um doce ou uma guloseima que adoçasse o dia depois das várias horas de brincadeira.

Uma magia que o Sr. Fausto não pretende deixar desaparecer. Não pode garantir a continuidade da loja depois de si, já que os filhos trabalham em outras áreas e “não há quem a queira”, como diz a brincar. Mas, no que dele depender, a magia não desaparecerá tão cedo, enquanto puder e os seus clientes continuarem a querer o seu atendimento e os seus produtos: “Estou cá por eles”.

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