Ministra das Finanças acabou com o sonho ferroviário de Isaltino Morais
Câmara diz que a decisão de extinguir a empresa SATU Oeiras se baseia num relatório com “erros crassos” e “estranha” que, um mês depois, o secretário de Estado dos Transportes tenha reiterado o seu apoio ao projecto.
A decisão — que tem por base a verificação de três das quatro situações de natureza financeira que implicam a dissolução obrigatória das empresa muncipais — foi comunicada na terça-feira da semana passada ao presidente da Câmara de Oeiras, Paulo Vistas, que a transmitiu ontem aos vereadores durante a reunião do executivo.
Numa resposta escrita a perguntas do PÚBLICO, Paulo Vistas salienta, através do seu chefe de gabinete, que “estranhamente”, o despacho de Maria Luis Albuquerque só foi remetido ao município no dia 7 de Outubro, mais de um mês depois de ter sido assinado.
Para reforçar essa estranheza, o autarca afirma: “Já depois da data desse despacho, a 23 de Setembro, teve lugar a última reunião entre o presidente da câmara, a administração do SATUO e o secretário de Estado dos Transportes na qual, uma vez mais, nos foi transmitida uma posição de apoio e cooperação” relativamente ao projecto de prolongamento da linha desde o seu terminus actual, no Centro Comercial Oeiras Parque, até à estação ferroviária do Cacém.
Esse projecto, na perspectiva do município, que detém 51% do capital da SATU Oeiras, e da empresa Teixeira Duarte Construções, que possui os 49% restantes, garantiria a viabilidade da empresa, que é altamente deficitária. A linha tem actualmente 1200 metros de comprimento, entre a estação ferroviária de Paço de Arcos e o Oeiras Parque e o prolongamento projectado teria mais cerca de 10 kms.
Para o concretizar, seria porém necessário um investimento de 142 milhões de euros a realizar até 2017 em três fases. O investimento em causa deveria ser partilhado por privados (15%), pelas câmaras de Oeiras e Sintra (10%) e por fundos europeus (75%), sem que a Teixeira Duarte participasse nele.
Paulo Vistas diz que o financiamento comunitário da extensão até ao Cacém está inscrito, em conjunto com três outros projectos a nível nacional, como “investimento prioritário no Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas — Horizonte 2014-20120 (PETI 3+) no seu ponto 14”. Este plano, acrescenta, “encontra-se junto ao Portugal 2020 — Acordo de Parceria 2014-2020, aprovado a 30 de Julho de 2014, suportando as prioridades a considerar para os transportes em Portugal” naquele período.
A perplexidade do autarca, prende-se ainda com o facto de ter tido “várias reuniões” com “diferentes membros do Governo, nomeadamente o secretário de Estado dos Transportes”, Sérgio Monteiro, “que sempre se mostrou cooperante, envolvido e disponível para apoiar o projecto”.
O que Paulo Vistas não pode dizer é que tenha sido apanhado de surpresa com a decisão ministerial. Isto porque já no início deste ano tinha sido confrontado pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF), para efeitos de exercício do contraditório do munícipio, com um projecto de relatório que apontava para a extinção da SATUO. Nas respostas enviadas em Março, o município contestou o entendimento da IGF, alegando, designadamente, que o prejuízo da empresa “tem vindo a ser integralmente suportado pelo accionista privado (...) não onerando as contas municipais e públicas”.
Estes argumentos não convenceram a IGF que considerou estarem preenchidos três dos quatro requisitos legais que obrigam, desde 2012, à dissolução das empresas municipais, desde que se verifique um deles. Um desses requisitos é a existência nos três anos anteriores à publicação da lei de resultados líquidos negativos. E a SATUO apresentou resultados negativos de 3,3 milhões de euros em 2009; 2,9 em 2010; e 3,1 em 2011.
O relatório nota, por outro lado, que a tese de que o prejuízo da SATUO não onera as contas municipais “não corresponde aos factos apurados” pelos inspectores.
"Erros crassos" e descontextualização
A IGF recorda as conclusões de uma auditoria que efectuou ao município de Oeiras em 2006, onde diz que a criação da SATUO, em 2001, não tinha “salvaguardado o interesse público municipal”. A dissolução oficiosa da empresa foi proposta pela IGF em Julho, tendo obtido a concordância do secretário de Estado do Orçamento a 18 de Agosto e da ministra a 29 desse mês.
De acordo com o gabinete de Paulo Vistas, o relatório que fundamenta essa proposta “apresenta erros crassos”, ”descontextualiza alguns dados” e “em muitas passagens, pura e simplesmente não tem em consideração o contraditório apresentado pelo município de Oeiras”.
A participação financeira da Câmara de Sintra no prolongamento do SATU tinha sido objecto de um protocolo celebrado em 2009 entre Fernando Seara e Isaltino Morais, mas Basílio Horta, o actual autarca de Sintra, disse ontem ao PÚBLICO que nunca esteve interessado nesse projecto. “Temos outras prioridades, de natureza social, e não vamos cumprir esse protocolo”, afirmou.
Por parte da oposição camarária de Oeiras, o PS mostrou-se nos últimos anos contrário ao prosseguimento do projecto do SATU e o seu candidato à câmara nas eleições do ano passado, Marcos Sá, chegou a garantir que, se fosse eleito, acabaria com ele. “Eu não estou cá para fazer fretes à Teixeira Duarte, estou cá para defender os interesses dos munícipes”, afirmou nessa altura em entrevista ao PÚBLICO.
O Ministério das Finanças, a Secretaria de Estado dos Transportes e a Teixeira Duarte não responderam às perguntas que na sexta-feira lhe foram dirigidas pelo PÚBLICO sobre o fim do SATU. Quanto ao futuro, Paulo Vistas, diz que “está a avaliar e a estudar os possíveis caminhos a seguir.”