Lugares-chave da Misericórdia de Lisboa são ocupados por militantes do PSD e do CDS
Fazer as contas é tarefa impossível porque a instituição não fornece os dados mínimos. Mas os elementos disponíveis indiciam que a dependência partidária da Santa Casa se tem vindo a agravar.
Não se trata propriamente de uma novidade, visto que a SCML é gerida há muitos anos, tanto pelo PSD, como pelo CDS e pelo PS, numa lógica partidária. Actualmente, porém, e tanto quanto é possível avaliar, esta lógica ganhou peso dentro da instituição.
A mesa, composta pelo provedor, vice-provedor e três vogais, é, por via dos estatutos, nomeada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Segurança Social. Daí para baixo as fidelidades políticas e pessoais destacam-se tradicionalmente entre os critérios de nomeação e contratação dos quadros e dirigentes.
Traçar um retrato rigoroso da distribuição de poder em função dessas filiações não é, todavia, tarefa fácil. Desde logo porque, por mais que se tente, não há informação disponível e suficiente sobre quem faz o quê ao nível das chefias e direcções da instituição. Tanto mais que, entre 2012 e 2013, o número dos seus dirigentes cresceu 23%, passando de 190 para 233.
O PÚBLICO pediu nos últimos meses informação detalhada sobre o assunto — atendendo a que a SCML, ao contrário das restantes misericórdias do país, é tutelada pelo Estado, cabendo ao Ministério da Segurança Social a “definição das orientações gerais de gestão” e a “fiscalização” da sua actividade —, mas não obteve resposta concludente.
Numa primeira fase foi remetido para o site da instituição, onde apenas apareciam os nomes de parte dos dirigentes de topo, embora alguns deles não correspondessem às pessoas que estavam em funções. Recentemente o site foi actualizado, mas continua a não constar do mesmo os nomes dos dirigentes intermédios. E mesmo entre os directores e subdirectores há muitos que lá não estão, como os do Departamento de Jogos, da Direcção de Aprovisionamento e da Direcção dos Assuntos Jurídicos.
Em todo o caso, a consulta do site e os dados recolhidos em documentos oficiais indiciam que a situação se agravou em relação ao mandato anterior, em que o provedor era o socialista Rui Cunha.
Começando pela mesa, além de Santana Lopes, dois dos seus vogais são membros importantes do PSD: Helena Lopes da Costa, ex-deputada do PSD e ex-vereadora da Câmara de Lisboa quando Santana era presidente; e Paulo Calado, ex-vereador do PSD em Setúbal e sócio da sociedade de advogados Global Lawyers, criada por Santana Lopes. No lugar de vice-provedor está Fernando Paes Afonso, um destacado militante do CDS que já integrou os seus órgãos nacionais.
No tempo de Rui Cunha, para lá dele próprio, não havia mais nenhum dirigente socialista de relevo na cúpula da Misericórdia.
Por outro lado, em lugares chave da instituição encontram-se agora pessoas como Helena do Canto Lucas, directora do Departamento de Gestão Imobiliária e Património, Irene Nunes Barata, directora da Direcção de Aprovisionamento, e Teresa Paradela, subdirectora do Património, todas muito próximas do actual provedor.
A primeira entrou como jurista para a EPUL durante o mandato de Santana Lopes na Câmara de Lisboa, passou depois para uma das suas empresas de reabilitação urbana e, em Setembro passado, intregrou a lista do PSD à Câmara da Figueira da Foz, da qual Santana foi presidente entre 1998 e 2002. É casada com um advogado que partilhou com ela e com Santana Lopes um escritório em Lisboa, além de ser sócio deste na imobiliária Espaço Castilho.
A segunda foi directora do Departamento de Apoio à Presidência da câmara de Lisboa no mandato de Santana. A terceira, além de arquitecta do quadro da câmara da capital, tem sido candidata a vários órgãos autárquicos em listas do PSD.
Entre os nomes conhecidos como próximos do provedor está também Lídio Lopes, um antigo vice-presidente da Câmara da Figueira e até há pouco líder histórico da concelhia local do PSD, que ocupa as funções de subdirector do Departamento de Qualidade e Inovação da Misericórdia.
Em postos chave aparece igualmente Anabela Sancho, directora operacional do Departamento de Jogos, que é casada com o antigo ministro e dirigente do CDS Telmo Correia. Também a mulher do deputado centrista João Gonçalves Pereira, Joana Lacerda, desempenha funções na Direcção de Aprovisionamento.
Ainda do lado do CDS encontra-se o nome de João Duarte Gomes, presidente da concelhia de Torres Vedras, que surge frequentemente como testemunha dos contratos celebrados com fornecedores pela directora de aprovisionamento. Por outro lado, na direcção do Gabinete de Auditoria Interna está Maria de São José Louro, uma advogada muito ligada ao vice-provedor Pais Afonso, com o qual partilha as quotas da empresa de consultoria Think Global.
Muito notada foi também a entrada para a SCML de Eduarda Napoleão, uma antiga vereadora da Câmara de Lisboa, que veio com Santana da Câmara da Figueira da Foz. Depois de uma breve passagem pela instituição entrou no Fundbox, uma sociedade gestora de fundos imobiliários onde é responsável pela reabilitação urbana e em cujo capital a Misericórdia tem uma pequena participação. Entre outros, o Fundbox gere o fundo Santa Casa 2004, onde está uma parte do património imobiliário da instituição.
Entre os administradores não executivos do Fundbox esteve desde 2006 até Janeiro deste ano Ricardo Amantes, um gestor que foi substituído no lugar de director de Gestão Imobiliária e Património por Helena do Canto Lucas. Logo a seguir assumiu as funções de director da Coporgest, uma imobiliária participada pelo Grupo Espírito Santo, que tem o antigo líder do PSD Marques Mendes como administrador, e que em 2012 fez uma importante permuta de edifícios com a Santa Casa.
Questionado sobre estas e outras questões, Santana Lopes respondeu apenas: “A Santa Casa da Misericórdia tem uma história de 516 anos de respeito pela lei e pela moral. Publica as suas contas, que são escrutinadas e aprovadas pela tutela. É uma pessoa colectiva de Direito Privado e actua como tal, incluindo na reserva à exposição pública de matérias sobre a qual é interrogada e que parecem insinuar factos e conclusões que não correspondem sequer remotamente à realidade.”
Comunicação para cenários de crise
A SCML tem contratos com as duas mais importantes empresa de comunicação do país: a LPM e a Cunha Vaz & Associados, para além de possuir a sua própria Direcção de Comunicação e Marketing com vários assessores de comunicação.
Com a LPM, a instituição já celebrou desde o final de 2012 três contratos de assessoria de comunicação, um dos quais ainda em vigor, no valor total de 252.000 euros (cerca de 10.000 por mês). Justificação: ausência de recursos próprios. Um desses contratos foi assinado em Novembro de 2012, por ajuste directo como os outros, tem um valor de 126.000 euros e foi adjudicado ao abrigo de uma norma legal que não permite ajustes directos superiores a 75.000 euros.
No caso da Cunha Vaz foi outorgado, também por ajuste directo e por ausência de recursos próprios, um contrato de 22.050 euros em Janeiro deste ano.
O contrato refere que o seu objecto principal consiste, entre outras coisas, em “elevar os níveis de influência junto de um conjunto de jornalistas estratégicos para o Departamento de Jogos (DJ)”; criar através de “uma relação de proximidade com os órgãos de comunicação social (...) barreiras a cenários de crise”; e “permitir notícias focadas nos interesses do DJ e da SCML”.
Apesar deste contrato se referir expressamente ao DJ, a Cunha Vaz trabalha directamente com o provedor. Este conta também com a colaboração de Alexandre Guerra, um assessor de imprensa que até há pouco estava no gabinete dos vereadores do PSD na Câmara de Lisboa.