Histórias de vida da Folgosa do Douro contadas em jornal
As histórias de vida dos habitantes da Folgosa do Douro, no concelho de Armamar, estão a ser salvaguardadas através da sua publicação num pequeno jornal, que é também um projecto de investigação científica.
O jornal - que nasceu em 2014 - não pretende dar notícias da actualidade, mas sim do passado, contribuindo "para a construção de uma memória colectiva" com o envolvimento das pessoas da aldeia, explicou Ricardo Cardoso, um dos mentores do projecto, que está a fazer um doutoramento nesta área.
Juntamente com familiares e amigos, o assistente social criou uma associação de intervenção social, cultural e desenvolvimento comunitário sem fins lucrativos, a Nós e Vozes, no seio da qual nasceu o jornal.
Na sua opinião, este projecto permite às pessoas da aldeia perceberem "que são capazes de construir a sua história e, a partir daí, serem mais capazes de, activamente, viverem a sua cidadania". "A forma como as pessoas receberam o projecto e se vêem nele é gratificante para nós e faz-nos pensar que estamos no bom caminho", referiu Mara Cardoso, irmã de Ricardo, que é a directora do jornal e que conta na sua equipa com o pai, a mãe e uma tia. Segundo a socióloga, as histórias de vida permitem "olhar para as pessoas de uma forma diferente".
"Às vezes, temos a ideia de que aquela pessoa sempre foi rica ou esteve muito bem na vida, mas depois quando vamos ler a história de vida percebemos que não foi bem assim, que foi uma pessoa que andou descalça, que passou muita fome, que trabalhou em muitos sítios, desde muito pequenino", exemplificou.
A história de Arsénio Peixoto, de 72 anos, é uma das que já foi contada no jornal. Com "dez ou onze anitos", já trabalhava de noite na padaria dos pais e, de dia, ia para a escola. Quando deixou a escola, começou "a trabalhar com a picareta" na abertura da estrada de acesso à freguesia.
Um período marcante da vida de Arsénio Peixoto foi o que viveu no Lobito, em Angola, onde trabalhou numa empresa de refrigerantes e de confeitaria e começou a praticar futebol. "Ou jogava a guarda-redes ou a defesa esquerdo. Se fosse hoje, era capaz de ter um bom futuro", afirmou.
Com a guerra, em 1961, regressou a Portugal e teve vários ofícios até ter ficado efectivo na EDP. "Nunca tive medo de todo o trabalho que me apareceu pela frente. Todos os patrões por onde passei ficavam chateados quando eu tinha que sair. Mas eu procurava sempre o melhor, eram seis filhos, a vida era ruim e tinham que se criar", justificou.
O jornal também já deu a conhecer a história de Maria Augusta Rodrigues, filha do último barqueiro do rio, que aparece na capa do jornal com o título "Menina traquina, mulher decidida". Aos 80 anos, Maria Augusta ainda fala com um pouco de vergonha das suas traquinices de infância, como aquelas que fazia à noite, no caminho entre a sua casa e a da avó materna.
"Enchia a abada de pedras e atirava-as para cima dos telhados das velhas", contou, acrescentando que um dia foi descoberta, ficou fechada no quarto de castigo, mas fugiu depois de partir os vidros de uma clarabóia. Devido a tanta traquinice, a mãe e a avó levaram-na a "um bruxo que havia em Armamar". Pelo caminho, ainda saltou da burra e fugiu pelo pinhal, mas acabou por ser encontrada.
Na memória da idosa estão também os tempos em que ia a pé para Moimenta da Beira e Tabuaço com outra rapariga vender peixe e, no regresso a casa, já de noite, se escondiam quando viam as luzes dos carros, com medo que "alguém fizesse mal".
O jornal tem uma secção dedicada ao património, onde já foi referida, por exemplo, a importância que teve a Quinta dos Frades e a Barragem de Bagaúste para os habitantes da aldeia.
Os emigrantes têm também um cantinho no jornal, tal como receitas tradicionais, lendas, cantares e recriações do que foi o dia-a-dia da aldeia.
"O nosso objectivo é o de que o jornal seja um exemplo para que outras aldeias, outras freguesias ou vilas adaptem este formato de se contar a história do território", frisou Ricardo Cardoso.