EDP cortou a luz a largas dezenas de casas do Bairro do Lagarteiro
"Não pagamos", dizem muitos moradores deste bairro do Porto, "porque não podemos". Há quem tenha contas atrasadas de milhares de euros. E quem já tenha tratado, no avesso da lei, de restabelecer a luz.
“Há muitas pessoas que têm dificuldades, comida guardada, filhos deficientes e precisam da electricidade para viver. Andamos a ligar, claro. Conforme conseguimos”, contava Paulo, um morador, ao início da noite. O restabelecimento da energia, no avesso da legalidade, foi sendo feito ora com os cabos que os técnicos deixaram, ora com o recurso a extensões eléctricas que possibilitaram a partilha de energia entre vizinhos. “Há aqui quem deva dois mil e até cinco mil euros de luz. Estes cortes são habituais. Já ontem estiveram no Bairro do Cerco”, acrescentava Paulo.
Alheios a tudo isto, as crianças do bairro celebravam a Noite das Bruxas, devidamente mascaradas. Os técnicos da EDP chegaram pelas 10h acompanhados por um forte dispositivo da PSP, o que revoltou os moradores. “Não somos marginais, nem delinquentes. Três carrinhas e dois carros-patrulha da PSP para nós? Estavam aqui mais de 40 polícias. Isto foi pior do que uma rusga”, lamentou a presidente da Associação de Moradores do Lagarteiro, Fernanda Gomes.
Os técnicos visaram 13 blocos, mas não foi possível apurar quantas pessoas foram afectadas pelo corte. Nos últimos anos “tem-se verificado uma tendência de crescimento das fraudes”, pelo que a EDP “tem vindo a reforçar as acções de combate à fraude e a mobilizar mais meios”, comunicou ontem a empresa à Lusa.
Conceição Lencastre e o marido, Albano Lencastre, lamentava ao início da noite não terem energia para carregar a bateria da cadeira de rodas eléctrica do filho de 23 anos, deficiente motor. “Vou ter de pedir aos vizinhos para me deixarem carregar a bateria da cadeira ou que me mandem uma extensão”, dizia Conceição, beneficiária do rendimento social. “Já não recebemos uma conta de luz há cinco anos. Não sei quanto devemos. Ou pagamos a luz, ou comemos. Fomos uma vez à EDP para pagarmos em prestações, mas a primeira tinha de ser de 500 euros. Não temos.”
Já Teresa Monteiro, de 54 anos, admitia que esta madrugada seria passada “à luz das velas”. “Tenho oito pessoas em casa. Com 254 euros por mês como é que pago a luz?”, questionava sentada à porta do bloco 7, à luz dos candeeiros públicos. “Fui operada há pouco tempo. Não consigo andar e agora nem luz tenho”, lamentava-se, admitindo ter uma “dívida muito grande de luz, água e renda”.
Ao lado, Maria Arminda voltava das compras preocupada com a mãe de 85 anos que estava em casa “à luz da vela”. “Está sem luz, sem frigorífico e não pode cozinhar. Como se faz vida assim? Sei que temos dívidas, mas não temos como pagar.”