Câmara do Porto vai continuar a despejar suspeitos de tráfico de droga em casas municipais
Assunto foi o principal tema de debate na reunião do executivo desta terça-feira
Em Abril de 2003, com Rui Rio a viver o seu primeiro mandato e debaixo de fogo por causa dos despejos no Bairro de S. João de Deus, a vereadora socialista Isabel Oneto insurgia-se contra o facto de estarem a ser despejadas pessoas “com base em indícios” de tráfico de droga obtidos, segundo o então presidente de câmara, “de forma segura”. Oneto perguntava, na altura: “Quero saber, e os portuenses também, se essas informações seguras são provenientes da polícia, conforme declarou já o presidente Rui Rio. Se for verdade, então estamos na presença de uma violação do segredo de justiça”.
Doze anos depois, foi a vez de o vereador socialista da Habitação ser confrontado com o despejo de 41 famílias de Lordelo do Ouro, por suspeitas de tráfico em habitação camarária, mas Manuel Pizarro garantiu que a situação actual nada tem a ver com o que se passava nos mandatos de Rui Rio, até 2009, altura em que foi revogado o decreto-lei 35.106, de 1945, que permitia o despejo de inquilinos camarários por razões vagas como terem comportamentos “indignos dos direitos de ocupação” ou de “escândalo público”.
“O método de hoje é mesmo muito diferente dos despejos feitos entre 2002 e 2007. Hoje, nós enviamos uma notificação de intenção de despejo e é dado às pessoas o prazo de 10 dias para reclamarem em sede do processo administrativo. A Domus Social irá analisar os 41 casos, já que todos responderem e com advogado constituído. Depois de analisados, veremos em quantos casos vamos proferir a intenção de despejo e, nesses casos, as pessoas têm 60 dias para abandonar as casas, o que lhes dá uma ampla possibilidade de recorrer a tribunal. Do ponto de vista do método, não há risco”, disse o vereador.
Quanto aos indícios de tráfico, Manuel Pizarro garantiu estar convencido do uso das casas para esse fim em todos os casos. “Não estamos a falar de consumidores nem de vendedores para suster o pequeno autoconsumo. Estamos a falar de criminalidade organizada. No último mês e meio, a PSP apreendeu 5,5 quilos de heroína e cocaína nos bairros”, argumentou.
O vereador da CDU levou o tema à reunião do executivo, defendendo que, “se o tráfico precisa de repressão, o problema da droga é muito mais sério” e pedindo à câmara que pondere a sua actuação. “Compreendo que a leitura feita nestes casos tem a ver com a acção policial, mas isso não retira a análise social que está subjacente ao problema”, disse Pedro Carvalho, lembrando que o despejo é estendido “a todo o agregado familiar” e não apenas ao suspeito de tráfico.
Pelo PSD, Ricardo Valente considerou que a câmara estava a agir “muito bem” nesta matéria e, sobre eventuais problemas para as crianças afectadas pelo despejo, afirmou: Estas “têm todos os direitos, de acordo, mas o primeiro responsável pelo cumprimento desses direitos é o pai e se ele tem este comportamento, não pode pedir a terceiros [que resolvam o problema].” Já Ricardo Almeida pediu a Pizarro informação detalhada sobre cada um dos processos e deixou uma pergunta no ar: “Quais serão as consequências se estas pessoas despejadas forem absolvidas das acusações de tráfico?”.
A câmara não tem de se preocupar com isso, reagiu Manuel Pizarro. “O nível de prova necessário em direito criminal não é igual em direito cível e administrativo. Se numa busca policial a uma casa da câmara são apreendidos 11 mil euros em dinheiro e 400 gramas de heroína, pode-se presumir que se fazia tráfico de droga lá em casa. Se isto conduz a uma condenação criminal é outra coisa”, afirmou.
Garantindo que apoia a actuação do vereador do PS, Rui Moreira puxou a tónica da conversa para os moradores dos bairros que, não estando envolvidos no tráfico, sofrem as suas consequências diariamente. “Todos têm os seus direitos, mas a liberdade implica que se tomem estas medidas. Não queremos um Estado policial, mas tem de haver um Estado policiado”, disse o autarca, acrescentando: “Já viram o que é um traficante vir ter com o presidente da câmara, num bairro, e perguntar-lhe o que está ali a fazer? Isso já me aconteceu. Imagine o que será com as pessoas que lá vivem, sitiadas no bairro. Qual é o exemplo dado às famílias se eles actuam em impunidade? Vão pensar, ‘mais vale juntar-me a eles’. Esse é o princípio da favela no Brasil e nós não vamos compactuar com isso.”
Fiscalização resolvia Vandoma, diz morador
Luís Filipe Moura foi à reunião do executivo pedir que a câmara resolva o problema da Feira da Vandoma. Morador no Passeio das Fontainhas, queixou-se das madrugadas sem dormir de sábado, em que a chegada exacerbada de vendedores impede o acesso às garagens e até ao prédio. Lamentou que a Polícia Municipal (PM) não actue, remetendo-o para a PSP e que esta faça o mesmo, remetendo-o para a PM. Na resposta, Rui Moreira e o vereador da Fiscalização, Sampaio Pimentel, lembraram que termina para a semana o período de discussão pública sobre a reorganização das feiras da cidade, que poderá ditar a retirada da Vandoma das Fontainhas. O morador reagiu: “Se as limitações e horários de carga e descarga regulamentados forem cumpridos, não há problema. Está-se aqui a criar uma coisa diferente e que não é necessária, ao dizer que se vai deslocalizar… Isso não é necessário”, disse. Sampaio Pimentel afirmou que a falta de meios não permite maior fiscalização, mas que a câmara tem a promessa governamental de ter a PM reforçada com 45 agentes ainda este ano.