Câmara define cem acções para tornar Lisboa acessível aos que não são super-heróis
O vereador dos Direitos Sociais reconhece que o Plano de Acessibilidade Pedonal não vai produzir um milagre, mas garante que daqui a quatro anos a cidade será mais acessível.
Na sexta-feira, o vereador apresentou o plano, que foi aprovado pela câmara em Dezembro de 2013, aos deputados da Comissão dos Direitos e Cidadania da Assembleia Municipal de Lisboa. Na sua exposição, João Afonso defendeu que “permitir que as pessoas usufruam da cidade com liberdade e segurança é o maior direito que lhes podemos dar”.
“Este não é um plano de eruditos feito à secretária”, afirmou, sublinhando que o plano em causa, que tem cinco volumes e mais de 800 páginas, tem uma grande ligação à realidade. “É uma política estratégica para a cidade”, resumiu, explicando que o documento integra “um conjunto de orientações para serem implementadas pelos serviços da câmara e que se expandem para a actuação das juntas de freguesia”.
Entre as cem acções que o município quer concretizar nos próximos quatro anos estão ferramentas de trabalho (como a elaboração de um guia de soluções para a eliminação de barreiras na via pública), investigações (como a realização de um inquérito a peões sobre a sua satisfação com a rede pedonal), projectos-piloto (como a adaptação das passagens de peões nos cruzamentos da Avenida 5 de Outubro), obras (como intervenções em passagens desniveladas), outros procedimentos (como o reforço dos meios de combate ao estacionamento ilegal) e acções de informação e sensibilização pública (como a sensibilização dos agentes turísticos para a oportunidade económica do turismo acessível).
Aquilo que está previsto é que em cada ano seja aprovado um plano de execução, envolvendo os diferentes serviços municipais, cuja concretização será depois avaliada num relatório. Ambos os documentos serão apreciados em reuniões públicas da Câmara de Lisboa, permitindo o seu escrutínio por todos.
O coordenador da equipa do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa sublinha que as acções mencionadas “não esgotam” o que há a fazer, tendo sido escolhidas porque constituem “aquilo que se acha ao mesmo tempo viável e prioritário” num conjunto de cinco áreas operacionais: via pública, equipamentos municipais, transportes públicos, fiscalização de particulares e desafios transversais.
“É preciso um esforço coordenado e sustentado ao longo de anos”, frisou Pedro Homem de Gouveia, defendendo que aquilo que faltou até aqui não foi dinheiro. Os quatro principais problemas em matéria de acessibilidade foram, de acordo com o arquitecto, a secundarização do peão, ineficiência na gestão e fiscalização, o facto de a Câmara de Lisboa não dar o exemplo e falta de compromisso político.
Tanto o arquitecto que coordena a equipa do plano como o vereador dos Direitos Sociais sustentam que boa parte da receita para fazer de Lisboa uma cidade mais acessível assenta em não se repetir alguns dos erros do passado. “É só fazer bem, parar de escavar”, diz Pedro Homem de Gouveia, para quem a cidade deve estar “preparada para uma população que envelhece” e não "só para super-heróis”. “Podemos melhorar, rectificar, fazer bem. E acima de tudo não fazer mal, fazer sem erros”, disse também João Afonso.
O vereador dos Direitos Sociais admitiu que uma das áreas em que há rectificações a introduzir é nas ciclovias, que foram uma das grandes bandeiras do vereador José Sá Fernandes nos últimos anos. Segundo João Afonso, aquilo que se pretende é “fazer um conjunto de correcções” nos casos em que se verificou que a criação daquelas vias levou ao surgimento de “conflitos” entre os utilizadores de bicicletas e os peões.
O autarca acrescentou que vai ser alterado “o manual de implementação das ciclovias”, tendo em conta a percepção actual de que “não é curial a sua implementação nos passeios, onde criam sérios problemas aos peões”. Como exemplo disso, João Afonso referiu a Avenida Duque d’Ávila, que “de vez em quando tem lá uma bicicleta, passou a ser uma pedovia”.
Calçada "não é um bom pavimento"
“Este não é um plano de remoção da calçada, nem um plano para alteração de pavimentos”, sublinhou o vereador dos Direitos Sociais aos deputados da Comissão dos Direitos e Cidadania da Assembleia Municipal. Ressalva feita, João Afonso reconheceu que não considera que a calçada portuguesa seja “um bom pavimento”.
“A calçada não é um bom pavimento, um pavimento que assegure as melhores condições de acessibilidade. Só é o melhor se tivermos condições para o manter e em determinados sítios”, afirmou o vereador. Aquilo que o autarca defende é que “não há uma solução universal” para a cidade, devendo ser introduzidos diferentes pavimentos consoante as características da zona em causa.
João Afonso refutou a ideia de que a Câmara de Lisboa se prepara para desenvolver uma grande acção de substituição da calçada portuguesa por outros materiais fora do centro histórico. Até porque, sublinha, essa seria uma missão impossível de concretizar com as verbas alocadas ao Plano de Acessibilidade Pedonal, que segundo está previsto deverão representar perto de 3% do orçamento anual do município. Segundo o vereador, aquilo que se pretende fazer é aproveitar obras em curso na cidade para “tentar pôr novas soluções, onde se justifique” e “dar às pessoas a possibilidade de experimentar diferentes pavimentos”.
Quanto à experiência recente da Rua da Vitória, na Baixa, em que a calçada deu lugar a pedras de lioz, João Afonso admite que não gosta do resultado, desde logo pela falta de aderência do piso quando chove e pelo seu custo. “Tempos de crise poderão evitar esse tipo de solução, espero”, disse aos deputados municipais.
A presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Margarida Martins, adiantou que vê com bons olhos a hipótese de “nalguns arruamentos” substituir “as pedrinhas muito simpáticas que se desfazem a toda a hora” por outros tipos de pavimento. Já o presidente da junta do Lumiar, Pedro Delgado Alves, considerou “fundamental” que haja um debate em torno desta matéria.
Notícia corrigida às 10h25: corrige erro ortográfico na palavra "alocadas"