Câmara de Coimbra quer investir 6,9 milhões de euros na reabilitação da cidade

Classificação da cidade como Património Mundial da UNESCO, há um ano, atraiu mais turistas. Mas sectores como a restauração e a hotelaria dizem não sentir o impacto.

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Universidade de Coimbra regista um aumento de turistas na casa dos 20%, mas muitos visitantes nem sequer sabem da classificação Adriano Miranda/Arquivo

Em entrevista à Lusa, o autarca adianta que está em negociação um empréstimo através do Banco Europeu de Investimento para financiar metade de uma aposta de 6,9 milhões de euros. A outra metade seria suportada pela CMC, com o objectivo de voltar "a atrair as pessoas para o coração da cidade".

Coimbra foi classificada como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a 22 de Junho de 2013. Um ano depois, Manuel Machado reconhece as “vantagens muito positivas" que a classificação oferece, mas destaca também as "responsabilidades muito importantes", nomeadamente na preservação e reabilitação do património, que deveriam ser partilhadas com o Estado.

"Assinalo, com preocupação, que não está devidamente consignado no próximo quadro de apoio uma dotação própria para a intervenção de reabilitação urbana e social" da zona classificada, diz Machado, constatando que Coimbra "ainda não encontrou o apoio necessário por parte do Governo".

Apesar disso, o autarca salienta que se têm vindo a desenvolver iniciativas, tais como projectos de reabilitação da zona classificada, a criação de melhores acessibilidades ou uma política de fiscalidade específica para o centro histórico.

Por outro lado, Clara Almeida Santos, vice-reitora da Universidade de Coimbra (UC), sublinha que a classificação, "acima de tudo, aumentou a auto-estima da cidade" e "a motivação das pessoas", havendo uma série de processos "invisíveis" que vão dar frutos "a longo prazo".

Desses, a vice-reitora enaltece a dinâmica que se gerou entre "diferentes entidades da cidade", a integração da Universidade de Coimbra na Rede de Universidades Património Mundial, o envolvimento da cidade na criação da rede do Património Mundial Português (em curso) ou ainda o aumento do interesse "de equipas de reportagens estrangeiras" por Coimbra.

Entre as diversas iniciativas que resultam desta classificação, Clara Almeida Santos destaca os projectos de intervenção em curso em espaços como o Colégio da Graça, o Colégio da Trindade e futuramente no Paço das Escolas. Ainda no plano cultural, sublinha a realização do Festival das Artes de 2014 dedicado ao tema do Património Mundial e a criação de uma iniciativa de arte contemporânea a instalar em edifícios da zona classificada, intitulada "Ano Zero".

Hotelaria e restauração não sentem impacto
Celeste Amaro, directora da Direcção Regional da Cultura do Centro (DRCC), diz que um ano depois falta dinâmica entre os diferentes agentes da cidade, observando que "as pessoas reúnem-se mas depois cada um vai à sua vida e cada um faz o seu plano de actividades". O trabalho conjunto entre UC, CMC e DRCC, entre outras entidades, "não se perdeu, mas não há uma concertação de vontades". "Não nos juntamos para perceber o que fazer para o futuro da cidade", lamenta.

Também a hotelaria e a restauração têm razões de queixa. José Madeira, presidente da delegação de Coimbra da Associação de Hotelaria e Restauração de Portugal (AHRESP), diz que o sector não sente o impacto da classificação atribuída pela UNESCO.

"Acredito que haja muito mais gente a passar por Coimbra, mas não tomam o café, não usam o restaurante e não ficam nos hotéis", disse José Madeira à Lusa, frisando que em 2013 houve uma queda média de 10% face a 2012 na taxa de ocupação das "principais unidades hoteleiras da cidade", com a taxa a rondar os 55%.

Nesse mesmo ano, dos cerca de 12 hotéis sujeitos a um levantamento de dados por parte de José Madeira, "apenas duas unidades subiram" na sua taxa de ocupação, sendo que, para 2014, não há perspectivas de que a situação melhore.

O impacto "na restauração também não existe", com restaurantes da cidade "a fechar ou a despedir pessoal", contou o responsável, sublinhando que o aumento do fluxo de turistas não conseguiu combater "a falta de poder de compra" dos portugueses, "que é o principal problema da restauração".


"Há muito mais gente na cidade. Mas facilmente se vêem os autocarros a chegarem às oito e nove da manhã, a descarregarem os turistas na Universidade e a apanharem-nos duas horas depois na Portagem", observou.

Maria de Nazaré, sub-directora de um hotel na Baixa de Coimbra, considera que é um "orgulho" para a cidade a classificação recebida há um ano. Porém, para além de uma quebra de 10% na sua unidade, os clientes que chegam "não sabem que Coimbra é Património Mundial".

"Persiste a ideia de que Coimbra se visita em duas ou três horas. Isso não é possível. Há todo um conjunto de espaços que deveria ser melhor promovido", defendeu, referindo que a cidade "tem património construído e natural para muito mais" do que um dia de visita.

Já Pedro Domingo, gerente de um hostel perto da Sé Velha, considera que "houve um aumento" de número de clientes "depois da classificação". Porém, comenta que "o aumento é gradual" e não dá certezas de uma relação com a classificação.

Elsa Stelling e Anja Ligtenbarg, proprietários de uma guest-house na Alta de Coimbra, contam que "não se nota o impacto da classificação" e que o número de dormidas "se mantém". "Nas feiras internacionais, toda a gente conhece o Algarve, Madeira e Lisboa. Coimbra ninguém conhece. Tem que se apostar na imagem que se lança para fora", sustentou Elsa Stelling, destacando a necessidade de o turismo se dirigir para "indivíduos e casais", que "ficam mais do que uma noite".

Já Vitor Marques, da Associação para a Promoção da Baixa, considera que há um "maior número de turistas nas ruas" da cidade, assim como de "mais lojas abertas" entre a Portagem e a Rua da Sofia, concluindo que a classificação deu "uma nova vida à Baixa".

Também Carlos Veiga, presidente da Associação para o Desenvolvimento e Defesa da Alta, notou "um aumento de movimento", congratulando-se por a classificação dar "uma oportunidade" para o aprofundamento "da gestão urbanística" e da ligação entre autarquia e universidade.

Mais turistas na universidade
A classificação da UNESCO abrange o conjunto Universidade de Coimbra, Alta e Sofia na lista de monumentos considerados Património Mundial da Humanidade. Mas para o vice-reitor da UC, Luís Menezes, o aumento do número de turistas não está directamente relacionado com a classificação da instituição.

Entre Janeiro e 31 de Maio, o número de turistas aumentou 20% face ao período homólogo, de 78 mil para 95 mil visitantes. "Muitas vezes, os turistas nem sabem da classificação. Apenas na visita guiada é que se informam e muitos ficam surpresos", afirma o vice-reitor para o turismo da UC. O aumento “pode estar associado à classificação, mas deve-se sobretudo ao aumento global do turismo nacional, que estará dentro dessas percentagens", admite.

O vice-reitor salienta que a universidade está a tentar virar-se "para o turista que pernoita", oferecendo "produtos de final de dia e produtos nocturnos", quer com visitas a diferentes espaços da UC e da cidade, quer com "espectáculos e animação cultural à noite".

"Há hoje uma percepção na cidade de que há um aumento significativo de turistas", diz Pedro Machado, presidente da Turismo do Centro, considerando que, além do aumento do fluxo turístico a nível nacional, este incremento de visitantes "também será por força da mediatização da classificação". "Precisamos que outros equipamentos possam fazer parte da rede de oferta turística", apostando-se "no turismo de saúde", em aspectos "culturais e de animação" e numa perspectiva mais alargada que ligue Coimbra ao "Lorvão, Buçaco ou a Conímbriga", constata.

O presidente da Turismo do Centro frisa que espaços como o Museu Nacional Machado de Castro ou o Centro de Congressos (que ainda não está terminado) "são importantes para captar turistas por mais de uma noite".

Concordando com a ideia de que Coimbra é vista "como ponto de passagem", Ana Alcoforado, directora do Museu Nacional Machado de Castro (MNMC) realça a importância de se "apostar em infra-estruturas", nomeadamente no estacionamento que de momento "obriga os autocarros a terem um tempo limite na zona da Universidade de Coimbra".

O MNMC registou 21 mil visitas entre Janeiro e Maio deste ano, esperando ultrapassar os 58 mil visitantes registados em 2013. Contudo, "a classificação coincidiu com a reabertura" do museu, não sendo possível "criar uma relação entre o aumento e a classificação", diz Ana Alcoforado. 

Para além de a cidade apostar no "turismo de qualidade", com visitantes que passem mais "tempo em Coimbra", tem de se pensar "no turismo de massas", estando o próprio museu a desenvolver "estratégias de visitas mais curtas", adianta, destacando também o trabalho feito em torno "de um bilhete conjunto" entre diferentes entidades do concelho, que ainda não está criado.

A Sé Velha, segundo o padre João Evangelista, tem registado um aumento do número de visitantes, assim como o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e o Museu Municipal de Coimbra. Já o Museu da Ciência registou uma diminuição de 2012 para 2013. Na opinião do director, Paulo Gama Mota, esta deve-se ao menor poder de compra dos visitantes portugueses (apenas 6 a 8% dos visitantes são estrangeiros).