Barragem de Ribeiradio vai alagar vestígios “excepcionais” do Paleolítico

Ex-presidente do Instituto Português de Arqueologia e outro arqueólogo recomendam a escavação integral dos achados antes da entrada em funcionamento da barragem. Mas a EDP diz que é "humanamente impossível" evitar o alagamento quando começar a chover.

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A importância científica dos achados é atestada por arqueólogos Sérgio Azenha
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A importância científica dos achados é atestada por arqueólogos Sérgio Azenha

Em causa estão duas jazidas identificadas nas margens dos rios Vouga e Teixeira, que ficarão submersas com a barragem cuja construção, em curso desde o final de 2009, está orçada em 170 milhões de euros.

Uma das jazidas fica no sítio do Rôdo e apresenta vestígios de estruturas de combustão, alguns “fundos de cabana” e estruturas associadas a artefactos de pedra característicos do Paleolítico Superior (entre 40 mil a 10 mil anos a.C). Na jazida do Vau foram também identificadas estruturas em pedra com sinais de combustão associadas a artefactos do Mesolítico (10 mil a 5000 anos aC).

Segundo a Direcção-Geral de Património Cultural (DGPC), que está a acompanhar o processo, “a originalidade dos sítios reside no facto de, até ao momento, ser desconhecido este tipo de ocupação na área territorial em causa”.

A importância científica dos achados é atestada pelos arqueólogos João Zilhão, ex-presidente do Instituto Português de Arqueologia  e investigador das universidades de Lisboa e de Bristol, e Thierry Jean Aubry, do Parque Arqueológico do Vale do Côa. Ambos visitaram as escavações em Junho e elaboraram um parecer, no qual sublinham que se trata de “um caso excepcional no Paleolítico Superior ibérico, e único em todo o Noroeste de Portugal”.

A subida do nível da água no leito do Vouga para a cota de enchimento da barragem de Ribeiradio, até aos 110 metros, vai implicar a “‘destruição’ [dos vestígios] por perda de acessibilidade para a investigação científica”, alertam os autores do parecer, sugerindo um “programa mínimo de salvamento pelo registo” antes da submersão.

Recomendam, nomeadamente, a escavação integral das duas jazidas (cada uma com 3.000 a 5.000 metros quadrados), o estudo geológico e a datação radiocarbónica das diferentes estruturas, e ainda a prospecção de outras ocorrências do mesmo género naquela zona. Os especialistas reconhecem que estas operações poderão “implicar o adiamento da entrada em funcionamento da barragem por algumas semanas ou meses”, mas sublinham que “é imperativo, contudo, que os estudos de campo referentes a estas descobertas excepcionais sejam aprofundados”.

Zilhão e Aubry vão mais longe, admitindo a possibilidade de preservar os vestígios no local: “As condições geomorfológicas e os processos sedimentares são muito favoráveis à preservação da organização espacial dos vestígios das ocupações humanas antigas”.

Em resposta ao PÚBLICO, por escrito, a EDP garante que está a “colaborar na obtenção do máximo de informação e recolha de vestígios, no limite dos prazos possíveis”. Contudo, a empresa lembra que “os achados encontram-se a montante da barragem, pelo que é humanamente impossível evitar o seu alagamento quando os caudais do rio [Vouga] atingirem os níveis que se conheceram nos últimos invernos”. As obras não vão ser suspensas.

A eléctrica acrescenta que vai tomar medidas para “preservar todos os achados, antes que a albufeira encha na época normal das chuvas”: além do reforço das equipas de arqueólogos no terreno com especialistas em Pré-história, a realização de estudos complementares (segundo a DGPC, este estudos são os mesmos que Zilhão e Aubry recomendam no parecer), e ainda o financiamento de duas bolsas de investigação e da publicação dos resultados.

A DGPC garante que as medidas tomadas pelo promotor estão “em conformidade” com a Declaração de Impacto Ambiental (DIA). No entanto, ressalva que os vestígios que permaneçam no local terão de ser “devidamente protegidos in situ de modo a permitir a menor afectação aquando da submersão”. Acrescenta que está previsto um “plano de recuperação final” daquelas zonas, a aplicar na fase de desactivação da barragem, que deve incluir uma investigação liderada por especialistas em Pré-história antiga, para "dar continuidade ao estudo dos contextos que ficaram imersos”.

Os achados terão apanhado a EDP de surpresa. No Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projecto lê-se que, durante as prospecções, “não foram detectados quaisquer vestígios desta natureza [arqueológica]” na área directamente afectada pela futura albufeira. Mas a DIA ressalva que, caso sejam encontrados vestígios arqueológicos, “as obras devem ser suspensas nesse local” e as áreas em causa “têm que ser integralmente escavadas”. A DIA estipula ainda que as estruturas arqueológicas “devem, tanto quanto possível e em função do seu valor patrimonial, ser conservados in situ, de tal forma que não se degrade o seu estado de conservação”.

Pelo menos numa primeira fase, as intervenções arqueológicas estiveram a cargo das empresas Era Arqueologia (no Vau) e Arqueologia e Património (no Rôdo). No entanto, o PÚBLICO sabe que apenas a segunda se mantém no terreno. Questionada sobre qual a empresa a que foi entregue a investigação no Rôdo e se o reforço das equipas vai permitir a escavação integral das duas jazidas antes do enchimento da albufeira (como recomendado pelos autores do parecer), a EDP não respondeu.

O aproveitamento hidroeléctrico de Ribeiradio-Ermida inclui duas barragens e duas centrais de produção de energia. O projecto é uma aspiração antiga das populações de Sever do Vouga e de Oliveira de Frades. Quando foi lançada a primeira pedra, em Novembro de 2009, o presidente da EDP, António Mexia, garantiu que tudo estaria a funcionar em Abril de 2013, mas tal não deve acontecer antes do final deste ano.

Autarcas criticam “lacunas” no cumprimento do EIA
O presidente da Câmara de Sever do Vouga, António Coutinho, pouco sabe ainda sobre os achados. “Se houver elementos que possam ser recolhidos, queremos que sejam cedidos ao museu que estamos a construir no concelho”, afirma. Para já, as preocupações dos autarcas da zona são outras. Num relatório de Junho, a comissão criada pela Assembleia Municipal para acompanhar o projecto enumera “algumas lacunas” no cumprimento das medidas de minimização previstas no EIA: atrasos na reposição de caminhos e de praias fluviais danificados durante as obras, e a incorrecta trasladação dos monumentos às “Alminhas da Foz do Rio Lordelo”.

O presidente da Junta de Freguesia de Couto de Esteves, Sérgio Soares, critica também os “preços vergonhosos” pagos pelo promotor aos proprietários dos terrenos expropriados. Um deles, um casal com cerca de 60 anos, foi indemnizado em 80 mil euros para abandonar até 15 de Agosto a casa onde morava no Rôdo (que vai ficar submersa) e dois terrenos de pinhal. “Nos dias de hoje, este valor não chega para fazer uma habitação”, nota Sérgio Soares. Até há poucas semanas, o casal não tinha alternativa habitacional devido aos atrasos na construção de uma nova moradia.

Confrontada com o problema numa reunião da comissão de acompanhamento em Maio, a EDP descartou responsabilidades. O casal vai morar temporariamente com uma vizinha.

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