As palmeiras ainda podem ganhar a guerra contra o escaravelho-vermelho

Insecto que devora estas plantas já foi do Algarve ao Minho e está mais resistente, obrigando os investigadores a procurar novos tratamentos. O abate custa anualmente milhares de euros às câmaras.

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Só em Janeiro desde ano, a Câmara de Lisboa mandou abater 37 palmeiras infestadas João Cordeiro
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Palmeiras junto ao Hospital Curry Cabral, em Lisboa, tiveram que ser abatidas João Cordeiro

Este besouro devorador originário da Ásia, que pode atingir os 4,5 centímetros, tem atacado sobretudo os concelhos do litoral. Foi aí que as palmeiras, embora não sejam uma espécie autóctone, se tornaram nas últimas décadas imagens de marca que lembram paisagens tropicais. Muitas são centenárias e têm elevado valor patrimonial: uma palmeira de 12 ou 13 metros pode valer 30 a 40 mil euros, segundo Carlos Gabirro, sócio-gerente da Biostasia, empresa que faz controlo da praga nas palmeiras da Câmara de Lisboa.

“São plantas que vendem turismo”, nota Filomena Caetano, coordenadora do Laboratório de Patologia Vegetal do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Esta investigadora está a estudar novos tratamentos biológicos contra a praga. Isto porque o insecto parece ter aprendido a resistir aos químicos e ao nemátodo (um microrganismo que só ataca insectos).

“Quando as palmeiras são abatidas, recolhemos os casulos dos escaravelhos, abrimos e retiramos os insectos que estão mortos para analisar em laboratório, isolando a parte exterior e o intestino”, explica. Estão em estudo dois fungos – um do género Beauveria e outro do género Metarhizium – que foram encontrados em insectos no território nacional. “Além disso estamos a estudar fungos próprios das palmeiras, porque há uma ligação entre os insectos e determinados fungos que matam as plantas”, acrescenta.

Para Filomena Caetano, a guerra contra o escaravelho-vermelho não está perdida. “Espanha tem o insecto desde 1996 e ainda tem palmeiras. Mas se não fizermos os tratamentos, as palmeiras das canárias [Phoenix canariensis, a espécie mais atingida] vão acabar”, vaticina.

Do Algarve ao Minho em três anos
Em Portugal, o primeiro ataque detectado foi em Vale da Parra, na Guia (Albufeira). Depois de atingir todos os concelhos do Algarve, o insecto foi subindo no mapa, incluindo no interior do país. Chegou ao Centro e à Madeira em 2008, à região de Lisboa e Vale do Tejo em 2009, ao Alentejo e ao Norte em 2010. O problema é que se basta uma palmeira não tratada para infestar todas as outras num raio de uma dezena de quilómetros.

Para o escaravelho, as palmeiras são alimento para quatro ou cinco meses, o tempo que o insecto demora a desenvolver-se. Cada fêmea põe 200 a 300 ovos. Uma palmeira pode albergar até 1000 indivíduos prontos a voar – e podem voar durante cinco a dez quilómetros sem parar, contra o vento. Por vezes, apanham boleias, alerta Carlos Gabirro: “Tenho visto pessoas a porem os restos das palmeiras à porta de casa e é um erro muito grande. Os restos libertam odor, que chama mais insectos, e depois são recolhidos pelos camiões dos serviços camarários. No caminho, a praga espalha-se”.

Não se sabe quantas palmeiras já morreram, mas serão muitas centenas, que se traduzem em milhares euros de prejuízo para câmaras e privados. Em Lisboa, por exemplo, a câmara tem cerca de 600 palmeiras em tratamento e já abateu 359, tendo gasto 180 mil euros. O custo médio do abate e remoção dos resíduos infestados (sem incluir o custo de incineração) varia entre os 350 euros e os 1500 euros. A autarquia tem mais 1288 plantas sinalizadas para abate – das quais 693 estão em terreno privado. E até as palmeiras do jardim da residência oficial do primeiro-ministro, no Palácio de S. Bento, já foram atingidas. O caso já foi comunicado às autoridades.

“Os municípios à volta de Lisboa não têm feito o trabalho de casa”, denunciou o vereador dos Espaços Verdes numa reunião da câmara da capital, José Sá Fernandes, em Janeiro. Mas em Cascais e em Oeiras, por exemplo, as câmaras garantem ter as suas palmeiras debaixo de olho: em cada um dos concelhos foram abatidas 28 plantas desde que a praga foi detectada.

Abates no Porto e em Coimbra
No Porto, a câmara anunciou em Janeiro que está a tentar salvar as 63 palmeiras centenárias do Jardim do Passeio Alegre, classificadas como Árvores de Interesse Público. Em Dezembro foram abatidas 35 noutros pontos da cidade. Em Coimbra, o vereador do Ambiente, Luís Providência, admitia à Lusa que o problema é “dramático”. A câmara teve já de abater palmeiras históricas no Parque da Cidade, “algumas quase centenárias” e com pelo menos 20 metros de altura, afirmou. Também na Av. Sá da Bandeira, onde as palmeiras são uma “imagem de marca”, houve abates.

Sá Fernandes acusa o Ministério da Agricultura e do Mar (MAM) de falta de colaboração. “Falei com o anterior secretário de Estado da Agricultura, Daniel Campelo, e foi-me dito que o ministério não tinha meios e que esta não era prioridade”, por se tratar de uma erva ornamental que não representa uma actividade económica, diz o vereador. "Quase todos os dias" a autarquia envia para o ministério informação sobre plantas afectadas, garante. Mas para o vereador, está a falhar a notificação de proprietários particulares e de entidades estatais.

O PÚBLICO questionou o ministério de Assunção Cristas para saber se a erradicação desta praga, que a Comissão Europeia tornou obrigatória em 2007, é uma prioridade. “O MAM tem como uma das principais prioridades o desenvolvimento e implementação de uma política fitossanitária, animal e vegetal, adequada e eficaz”, respondeu, sublinhando que a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária tem em curso um plano de controlo da praga, suportado por verbas dos orçamentos das várias direcções regionais. “Compete aos proprietários a aplicação das medidas fitossanitárias de acordo com a legislação", sublinha o ministério.

Questionado sobre quantos proprietários particulares foram notificados para abaterem as respectivas palmeiras doentes, o MAM diz que "não é possível facultar toda a informação" uma vez que os dados não estão tratados. Mas adianta que em 2013 foram identificadas 25 palmeiras de particulares atingidas, na região de Lisboa e Vale do Tejo, e que no Alentejo foram notificados 48 proprietários individuais. O ministério admite, porém, que o controlo do insecto é "extremamente difícil".

PERGUNTAS e RESPOSTAS
Como se previne a praga?
É preciso manter a palmeira debaixo de olho e fazer a manutenção. A poda deve ser feita entre Novembro e Fevereiro, quando o insecto está menos activo, retirando só as folhas secas e evitando podas do tipo “ananás”. Os cortes devem ser lisos e não lascados. Os resíduos devem ser destruídos por trituração, queima ou enterramento. Também há tratamentos preventivos, que custam cerca de 500 euros por ano, por palmeira.

Que sintomas apresenta a palmeira infestada?
Não é fácil a detecção precoce da praga. Quando as folhas parecem roídas nas pontas (em forma de V) e descoloradas, é urgente actuar. O ruído produzido pelas larvas enquanto se alimentam e um odor intenso resultante do apodrecimento dos tecidos internos da planta são outros sinais de alerta. Quando a coroa da palmeira tem já um aspecto achatado com as folhas descaídas, tipo “chapéu-de-chuva”, já será tarde de mais. As plantas ficam frágeis e as de maior porte podem mesmo cair, representando um risco para a segurança de pessoas e bens.

O que fazer em caso de infestação?
Deve informar a câmara municipal ou a Direcção Regional de Agricultura e Pescas, para que avaliem a possibilidade de recuperação. Esta comunicação é obrigatória. Se a praga for detectada na fase inicial, aplicam-se produtos químicos ou biológicos e fazem-se podas sanitárias, eliminando todas as folhas “comidas” pelas larvas e limpando a parte da palmeira afectada até chegar aos tecidos sãos. Se for irrecuperável, o proprietário é notificado para fazer o abate, que pode custar entre 300 euros e 1000 euros (dependendo do tamanho). Se não cumprir a notificação, terá de pagar os custos à entidade que execute o abate e fica sujeito a uma contra-ordenação que pode ir dos 100 euros aos 3740 euros, para particulares, ou dos 250 euros aos 44.890 euros, para pessoas colectivas.

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