Vários hectares desmatados para mais um resort em Óbidos
Vários hectares de terreno estão a ser desmatados para infra-estruturar um empreendimento turístico cuja empresa está insolvente. Não há garantias de que o resort seja construído.
Trata-se do início da construção de mais um resort (o quinto) na zona do Bom Sucesso, designado Falésias D’El Rey e que tem previsto um hotel de cinco estrelas, um boutique hotel, 475 apartamentos e moradias de luxo, piscinas, campos de ténis e um campo de golfe com 18 buracos. Um investimento de 200 milhões de euros, mas que, para já, está limitado a 19 milhões. É que, nesta fase, o que está licenciado é a construção das infraestruturas, campo de golfe e club house. “As restantes obras não têm qualquer prazo, dependendo da vontade do promotor e das condições do mercado”, disse ao PÚBLICO fonte oficial da Câmara de Óbidos.
E quem é o promotor? A massa insolvente da empresa Crissier SA. É isso que consta no próprio cartaz afixado nos estaleiros. A obra está a ser gerida por um administrador judicial provisório visto que a empresa detentora do alvará de construção – Crissier Portuguesa Empreendimentos Turísticos e Imobiliários SA – está em fase de liquidação. O próprio município reconhece que não tem qualquer outro interlocutor.
Ao lado destas terraplanagens está um meio resort – o Royal Óbidos que tem apenas um hotel de cinco estrelas e uma zona infraestruturada onde ainda não foram construídas moradias. Não muito longe, o Bom Sucesso – Design Resort luta pela sobrevivência estando também insolvente a maioria das empresas que compõem a sua estrutura accionista.
Ou seja, os restantes quatro resorts vizinhos do Falésias D’El Rey sucumbiram à crise do imobiliário e estão longe de ser um êxito comercial. E este só tem previsto, para já, ser um campo de golfe e há razões para temer que não passe apenas disso.
Maria João Mello, da Plataforma de Defesa do Bom Sucesso, diz-se surpreendida com o aparecimento súbito de mais um resort. “O aviso do empreendimento estava lá, mas deu-se a crise, os outros resorts foram à falência e nunca pensámos que de repente este fosse avançar. Os outros empreendimentos na zona não deram certo e nós achamos que esta área ficaria protegida”, diz, reconhecendo que ela própria, os ecologistas, a comunicação social e muitos cidadãos activos “estiveram a dormir”, ou descansaram pensando que isto nunca iria ser construído.
A representante deste movimento cívico (composto por 700 pessoas no Facebook e uma vintena de elementos mais activos) diz que os outros resorts (Bom Sucesso-Design Resort, Quintas de Óbidos, Royal Óbidos e Praia D'El Rey Marriot) foram construídos mais para o interior, em zonas em que o solo e a vegetação eram mais pobres. Mas o Falésia D’el Rey representa uma zona “que era o último reduto porque está mais perto do mar”. Maria João Mello diz que foi destruída mata com vários séculos e que isso agora aumenta a erosão da costa por via dos ventos e das chuvas que “atacam” zonas dunares desprotegidas.
E tudo isto é legal porque o empreendimento em causa é um projecto PIN (Projecto de Interesse Nacional). “A Câmara de Óbidos não tem grande poder de manobra neste processo e quem se está a portar mal é a Agência Portuguesa do Ambiente”, diz Maria João Mello. É que, conta, a estruturas técnicas deram pareceres desfavoráveis a este projecto, mas o mesmo foi aprovado “por cima”.
A Câmara de Óbidos diz que o promotor tem direitos de construção adquiridos desde 1997 e que inicialmente o projecto previa uma área edificada de 15% dos seus 240 hectares, tendo o município, após negociações, conseguido reduzir essa percentagem para 5%. E assegurou ainda que “a área de costa manter-se-á intocável numa faixa de 500 metros”.
Segundo a autarquia, as taxas pagas pelo promotor para o licenciamento destas infraestruturas representam um total de cerca de 10 milhões de euros.
Nas últimas décadas, graças aos resorts do Bom Sucesso, o município de Óbidos tem tido receitas extraordinárias invejáveis para a maioria dos concelhos do país. Em 2009, as receitas do IMT per capita era sete vezes maiores do que a média nacional e o dobro da média do próprios concelhos algarvios.