Art On Chairs: Cadeiras permitiram a Paredes chegar a alto prémio europeu
Projecto do município de Paredes, venceu o prémio Regiostars 2014. Pela segunda vez, consecutiva, Portugal arrecada o “óscar dos projectos de desenvolvimento regional” atribuído pela Comissão Europeia.
O concurso foi criado em 2008 pela Comissão Europeia, para distinguir projectos inspiradores de desenvolvimento regional e as boas práticas na aplicação de fundos comunitários, e é óbvio que a decisão do júri, conhecida nesta segunda-feira, de atribuir ao Art On Chairs de Paredes o prémio também conhecido por “óscar do desenvolvimento regional”, na categoria Crescimento Inteligente – Inovação para as pequenas e médias empresas, deixou o autarca deste município da Área Metropolitana do Porto profundamente feliz.
E surpreendido? Num primeiro momento não, num segundo muito, e num terceiro muitíssimo. Em relação ao facto de, na hora de escolher um candidato ao Regiostars, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) ter optado, entre outros projectos na sua área de gestão, pelo projecto da Câmara de Paredes, Celso Ferreira garante que não. Acreditava no valor do Art On Chairs e na capacidade de discernimento da CCDRN que, por sinal, viu outro projecto pré-seleccionado por si ganhar o primeiro Regiostars português no ano passado – foi o projecto do Uptec, o parque de Ciência de e Tecnologia da Universidade do Porto.
Quando o Art On Chairs foi eleito pelo júri do do Regiostars 2014 um dos seis finalistas na sua categoria, entre mais de uma centena de concorrentes de 27 países, Celso Ferreira já ficou admirado. E apesar de a fase de apresentação e defesa dos projectos finalistas que decorreu em Outubro, em Bruxelas, até ter corrido bem, muito mais surpreendido ficou com a vitória final. “O nosso projecto era o que tinha o orçamento mais modesto e entre os finalistas estavam três grandes incubadoras de empresas [da República Checa, da Polónia e da Suécia], um projecto da Biblioteca Britânica, de Londres, no Reino Unido [baseado no aproveitamento pelas empresas da sua colecção de publicações na área da propriedade comercial e intelectual, que se admite ser a maior do mundo] e um projecto de criação de dois aceleradores de partículas para fins industriais, promovido por Dinamarca, Suécia e Noruega”. O projecto mais caro, o da incubadora polaca, custou quase 16 milhões de euros; o Art On Chairs de Paredes pouco mais de um milhão. A comparticipação comunitária foi de 85%, o que significa que o projecto custou ao município cerca de 150 mil euros.
Prestígio
O prémio não é monetário, mas rende prestígio, para o país, região e município que o promoveram. Em termos de atenção mediática, o Art On Chairs não se pode queixar de ter passado despercebido, desde em 2012. Algumas das suas realizações, como a exposição de cadeiras inspiradas em figuras públicas, atraíram a atenção generalizada da comunicação social.
Mas para se perceber o que é exactamente o Art On Chairs, que Celso Ferreira descreve como sobretudo “uma metodologia”, é preciso voltar um pouco atrás. No âmbito da rede de Cidades Criativas, de que Paredes faz parte, o município que representa 65% da produção nacional de mobiliário desenvolveu um projecto de intervenção, denominado Paredes Pólo do Design Mobiliário, assente neste tripé: Cidade Regenerada, programa de criação de equipamentos e serviços; Fábrica do Design, edifício a construir em Lordelo que reunirá um Centro de Interpretação do Design e um FabLab, ponto de encontro entre criativos e industriais e espaço de prototipagem de produtos; e o Art On Chairs. A concepção, gestão e candidatura deste último projecto partiu, em 2009, da empresa de consultadoria de políticas culturais Setepés, que, sob coordenação de Susana Marques, já trabalhava com a câmara nas outras vertentes do Pólo do Design Imobiliário.
Ministro agradece o esforço
“O projecto Art on Chairs da Câmara Municipal de Paredes conquistou o primeiro prémio na categoria de crescimento inteligente e inovação em PME, distinguindo-se entre um conjunto de projectos de elevadíssima qualidade", salientou nesta segunda-feira o ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro. "A todos quanto trabalharam neste projecto e contribuíram decisivamente para elevar a notoriedade da utilização dos fundos da política de coesão em Portugal, quero expressar o meu testemunho de reconhecimento e profunda apreciação”, acrescentou.O Art On Chairs realizou exposições, conferências, workhops e até um evento literário – o “10 contos para ler sentado” -, envolvendo empresas, universidades e escolas, sempre com a cadeira como protagonista, a interpretar um guião de promoção do mobiliário made in Paredes a nível nacional e internacional e a embuti-lo de design. O projecto mobilizou-se, contudo, em torno de três eventos principais: um concurso internacional de design, com 450 concorrentes, que elegeu nove protótipos para a indústria local; um conjunto de residências em fábricas para nove jovens designers; e o mediático Duets, a tal produção de 11 cadeiras por outros tantos criadores que se inspiraram em 11 figuras públicas, como Cavaco Silva, Ramos Horta, Ronaldo, Mourinho, Luciano Benneton, Manoel de Oliveira e Mariza, entre outras. Estas cadeiras foram leiloadas pela Christie’s, de Londres, e renderam 112 mil euros, oferecidos ao ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Susana Marques acredita que foi isto que o júri do Regiostars valorizou: a descoberta de uma forma alternativa às já tradicionais incubadoras de promover a transferência de conhecimento que pôs a funcionar em rede universidades da Região Norte, empresas, criativos e comunidade. Celso Ferreira lembra que Paredes já detém todos os elementos da cadeia de produção: “Desde o abate e serrações, passando pela assistência pós-venda do produto e da maquinaria desta indústria”, descreve. “Temos um centro de formação profissional que todos os anos fornece 70 jovens ao sector, que não costumam ter dificuldade em arranjar emprego, e aulas práticas do curso de Engenharia de Madeiras, do Politécnico do Porto, que virá para cá em definitivo dentro de três anos. Precisamos é de designers que conheçam as fábricas em concreto, as suas capacidades”.
Peça difícil
A ideia de fazer da cadeira a peça de mobiliário central deste projecto não surgiu do acaso. Susana Marques recorda a figura tradicional das cadeireiras, jovens mulheres conhecidas pela capacidade de equilibrarem várias cadeiras e outras peças de mobília às costas, para fazerem entregas a pé, às vezes a muitos quilómetros de distância. Celso Ferreira observa que “não há arquitecto ou designer de renome que não tenha desenhado a sua cadeira” e que, ao contrário do que se possa pensar, esta é das peças de mobiliário mais difíceis de executar. Pelo menos, bem.
Ao ataque nos mercados a jogar com Maradona
O 2.º Art On Chairs já está em curso e é especificamente orientado para os mercados, mas a ainda há muitas peças da primeira edição em produção ou à espera de saírem do papel.
Na Disarte, nos arredores de Lordelo - uma das quatro cidades de Paredes -, Nuno Ferreira fabrica ainda uma Chaise Longue CR7, desenhada por Nini Andrade Silva para a exposição Duets. Nuno Ferreira tem pena de não poder vender esta peça imponente, suficientemente grande para acomodar confortavelmente os 1,86 cm, o talento e o ego do Bola de Ouro. Apesar de oca, a peça, com estrutura semelhante à de um barco, é pesadíssima. Há-de ir para Singapura, para casa do magnata Peter Lim, accionista de vários clubes asiáticos, ingleses e espanhóis, que a arrematou no leilão do ACNUR. O agente de futebolistas Jorge Mendes ajudou Paredes a convocar Ronaldo, Mourinho e Lim.
Nuno Ferreira já foi contactado por interessados nesta chaise longue, como o promotor de um condomínio de luxo ou um milionário brasileiro, mas está impedido de amortizar o investimento correspondente a ter um funcionário a trabalhar em exclusivo nesta peça ao longo de três meses. “É uma peça de dificuldade extrema, é muito curva e tem muita mão-de-obra incorporada”. É que o contrato com o Art On Chairs estipula que de cada cadeira do Duets se fazem apenas cinco exemplares, numerados e autografados: um para o leilão; outro para o Art On Chairs; outro para o homenageado; outro para o designer; e outro para a fábrica que o produziu.
Susana Marques, da Setepés, recorda que, se não fosse assim, a participação dos homenageados não seria graciosa. Nuno Ferreira compreende isto e garante que já foi bom poder ter a Chaise Longue CR7 na montra e ainda aguarda pelo dia da entrega, em que vai conhecer Cristiano Ronaldo. A Disarte já exporta 80% da sua produção e não precisou do Art On Chairs para descobrir a importância do design. Ainda assim, a Disarte faz um balanço muito positivo da participação no evento e está entre as 70 empresas que, segundo Celso Ferreira, já manifestaram interesse em participar na 2.ª edição. “Da primeira vez, tivemos que andar a bater à porta de empresa a empresa para conseguir as 35”, sorri o autarca.
Ainda em Lordelo, a Margem Ideal está em maré de azar. A fábrica ainda não acabou de produzir as cinco cadeiras Z’Alma, que prestam homenagem ao fotógrafo suíço, de naturalidade afegã, Zalmaï, cujo trabalho está muito ligado aos direitos humanos. Em 2006 um incêndio destruiu a empresa que se reinventou à custa de parcerias com Espanha a que a crise ibérica pôs fim. Suspendeu a laboração e espera para ver.
Participou noutras realizações do Art On Chairs: acolheu Maria Bruno Néo, no âmbito das residências para jovens designers, orientados por tutores, e dessa colaboração nasceu até uma nova marca, com obras à venda em galerias do Porto e de Lisboa; e fabricou a cadeira biodegradável Button, com que Joana Carvalho venceu o concurso de design na categoria “Sustaining Chairs”.
Da residência na Margem Ideal Maria Bruno Néo destaca sobretudo a oportunidade de contactar com a realidade das empresas. Sabe do que fala, porque até estagiou em duas, e muito diferentes. O Art On Chairs levou-a também à Viriato, onde deixou três protótipos de quarto de hotel, prontos a entrar em produção, quando a empresa precisar. Hoje, a jovem lisboeta é directora de design de uma conhecida marca de mobiliário. “O Art On Chairs não me arranjou directamente emprego, mas foi importante em termos de portfolio, claro”.
António Ribeiro, o dono da Margem Ideal, mais uma pequena empresa de mobiliário do paraíso do “minifúndio industrial” de Paredes, faz algumas críticas ao Art On Chairs. Alerta que só as empresas maiores, com capacidade para ir a feiras no estrangeiro, conseguem fazer render as obras de design que produziram. Mas pretende participar na 2.ª edição, por esta estar orientada para a comercialização.
Mais do que isso, explicam Celso Ferreira e Susana Marques, é mesmo entrar no mercado do mobiliário de luxo que se pretende. Com o dobro do orçamento da 1.ª edição, o 2.º Art On Chairs promete apresentar-se nas feiras de Pequim, Dubai e Milão e, enquanto não se converter numa bienal, voltar a realizar os concursos, residências e exposições. Como a do Duets, cujo lote de homenageados já tem um reforço confirmado: Diego Armando Maradona.