Alunos de Beja em protesto contra a falta de apoio a estudante surdo
Mãe revoltada com a “insensibilidade” do Ministério da Educação mobilizou sozinha a comunidade escolar que rapidamente barrou os acessos à secundária Diogo de Gouveia.
A reacção dos estudantes foi imediata e expressiva. A anteceder a primeira aula da manhã um grupo de alunos colocou-se à entrada da escola, ao lado de Ilda Santos para sensibilizar os que iam chegando. Sem hesitações, os jovens aderiam ao protesto e uma mole humana barrou totalmente a entrada da Diogo de Gouveia. Vários agentes da PSP postaram-se nas proximidades, mas não se registaram quaisquer incidentes que justificassem a sua intervenção, aliás marcada pela descrição.
"A malta não estava ali para armar confusão", disse Tiago Fernandes, um dos jovens que participou no protesto. "Ameaçaram bater com a nossa cabeça no portão", acrescentou, referindo-se a um episódio, que o PÚBLICO observou, que envolveu alguns funcionários da escola. Foi um momento de tensão que Ilda Santos acabou por sanar.
“Ninguém vai às aulas enquanto os nossos colegas [com necessidades especiais] não tiverem o apoio de que necessitam” gritavam os alunos.
Mariana Parreira que foi colega de João Martins noutro estabelecimento de ensino justificou o seu gesto solidário “porque estes problemas tocam-nos profundamente”. E contou como tem sido difícil ao amigo integrar-se na escola.
“O João só à segunda semana de aulas é que percebeu onde era a casa de banho na escola. Chegava a casa sempre aflito”, conta a mãe. Ilda Santos incentivava-o a pedir apoio aos colegas. "Achas que eles me percebem?" reagia o jovem, explicando que ninguém sabe que o toque no nariz que na língua gestual significa urinar. “Pensavam que ele tinha comichão no nariz”, explica a mãe.
Técnico a três quilómetros de distância
A ideia do protesto frente à escola que o filho frequenta surgiu-lhe na sequência da resposta que recebeu dos serviços do Ministério da Educação na última sexta-feira. “Ao meu apelo para que fosse colocado mais um intérprete de língua gestual, disseram-me que o rácio é de um técnico para seis alunos com necessidades especiais” referindo que em Beja havia uma intérprete para dois alunos.
Só que, como explicou Ilda Santos ao PÚBLICO, o apoio é partilhado com um aluno surdo que frequenta o 8.º ano noutra escola, distanciada quase três quilómetros da secundária Diogo de Gouveia. A mãe deste aluno, Maria Emídia Colaço, queixa-se, por sua vez, que o filho não é acompanhado nas aulas de História, Geografia, Física e Química. "Enquanto os outros alunos acompanham as explicações dos professores, o meu filho olha para as paredes, pois não percebe nada”.
Das 32 horas de aulas que o filho de Ilda Santos tem por semana, só conta com a presença da intérprete de língua gestual durante 15 horas.
Revoltada com a insensibilidade demonstrada por responsáveis da tutela, esta mãe fez-se acompanhar para uma reunião na Direcção Regional de Educação do Alentejo, em Évora, do filho e da intérprete e foi esta que procurou explicar à funcionária que a recebeu, através dos movimentos das mãos, o que pretendia. “Mas eu não percebo nada” reagiu a interlocutora. “É precisamente esse tipo de resposta que o meu filho me dá quando chega a casa depois das aulas. Não percebe nada do que lá é dito”, conta a mãe.
O protesto dos alunos não foi em vão. Uma hora depois, Ilda Santos foi informada para se deslocar a Évora aos serviços da direcção regional para uma reunião, ainda esta tarde, com um dos seus responsáveis, que se comprometeu a reanalisar o problema.
A concentração dos alunos foi desmobilizada e estes regressaram às aulas com a promessa de voltarem ao protesto se o ministério não enviar mais um intérprete de língua gestual portuguesa como tinha sido “atempadamente” pedido pelos responsáveis do Agrupamento de Escolas nº1 de Beja.
Notícia corrigida às 22h52: a expressão "surdo-mudo" foi substituída pela expressão "surdo".