Problemas do abastecimento de água
Como possivelmente os leitores estarão recordados, já aqui abordámos um acontecimento registado há pouco mais de 75 anos - completados no passado dia 28 de Março -, o qual consistiu no resgate do contrato para abastecimento domiciliário de água à cidade do Porto que a câmara municipal tinha celebrado em 1882 com a Companhia das Águas - uma empresa francesa, denominada Compagnie Général des Eaux pour l'Étranger. Para além do resgate do contrato, por uma quantia de 3500 contos, foram também municipalizados os serviços de abastecimento de água. Veremos desta vez, de uma forma um pouco mais aprofundada, as razões que estiveram na base daquela decisão.A principal justificação para a rescisão do contrato residia no facto de a Companhia das Águas não cumprir, cada vez com mais frequência, a obrigação de fazer chegar à cidade, por dia e por habitante, um volume de 100 litros de água, que já então não satisfazia as necessidades. Aliás, para agravar a situação, em 1927, apenas chegavam diariamente cerca de 43,2 litros de água para cada habitante, ou seja, aproximadamente metade do que estipulava o contrato. Eram múltiplas as causas desta situação, mas as mais importantes tinham a ver com a incapacidade da Companhia de proceder a investimentos na central elevatória e na rede de distribuição, os quais resultavam, em grande parte, da redução de meios com que a Companhia francesa se defrontou após o primeiro conflito mundial, situação de que nunca tinha conseguido recuperar.Para além das dificuldades financeiras da Companhia das Águas, existia um outro tipo de causas que, em 1927, afectavam a distribuição de água à cidade do Porto. A primeira delas era uma consequência da escolha do rio Sousa, efectuada em 1887, para a captação da água. Quatro décadas mais tarde, o seu caudal já não era suficiente, particularmente no Verão. Também no Inverno, em virtude da situação de degradação da Central do Sousa, as cheias submergiam as bombas elevatórias, com a consequente interrupção do abastecimento de água.Deste modo, a água faltava porque não havia bombas elevatórias em quantidade suficiente na Central do Sousa, porque o aumento do consumo exigia a duplicação do tubo ascensor que ia do rio até ao reservatório-túnel de Jovim, porque a grande coluna adutora de 600 milímetros, de Jovim até ao reservatório de chegada, em Santo Isidro, devido ao seu estado de incrustação já não conduzia um volume de água suficiente, e ainda porque uma grande parte da tubagem da rede de distribuição urbana se encontrava entupida por falta de limpeza e manutenção.A Companhia das Águas não tinha capacidade financeira para efectuar os indispensáveis melhoramentos no sistema de captação e distribuição de água. Deste modo, esses melhoramentos só poderiam ser efectuados pela autarquia, mas tal exigia, obviamente, a rescisão do contrato com a Companhia francesa, o que levaria à municipalização dos serviços ou à entrega do abastecimento de água a outra empresa que oferecesse melhores serviços.Embora tivessem decorrido com a maior cordialidade, as negociações para a rescisão do contrato não foram fáceis. A Companhia das Águas reivindicava, como número-base da indemnização a receber, uma verba na ordem dos 32.000 contos, mas oito meses de negociações fizeram baixar esse montante para os 3500 contos que a autarquia veio efectivamente a pagar.Resolvido o problema da rescisão do contrato e municipalizados os serviços de abastecimento de água, importava agora atender às dificuldades existentes. Afastada a ideia de duplicar a grande coluna adutora que partia de Jovim para a cidade, em virtude do seu elevado custo, decidiu-se optar por uma outra solução, que se revelou bem conseguida. O próprio presidente da Comissão Administrativa do Município, coronel Raul Peres, descreveu-a do seguinte modo: "Se em vez de ser de dez metros a diferença de nível da entrada do sifão, em Jovim, e da saída em Santo Isidro, fosse de sessenta, a velocidade da água aumentaria proporcionalmente à diminuição de peso da coluna líquida contida no ramo ascendente do sifão, e em vez de menos de 10.000 metros cúbicos, passaria, nas 24 horas, mais do que o bastante para todas as necessidades citadinas". Deste modo, bastaria, para tal, dispor de um depósito de chegada a um nível mais baixo do que o de Santo Isidro, o qual foi logo pensado para os terrenos existentes ao fundo da Rua do Barão de Nova Sintra, e projectado com uma capacidade de 100 mil metros cúbicos.A construção do novo reservatório, se bem que importante, necessitava de ser complementada com outras iniciativas, as quais iam desde a limitação do número de ligações à tubagem de distribuição da água - nalguns casos, havia canos que suportavam cerca de 200 ligações, quando estavam calibrados para receberem apenas 20! -, à limpeza e substituição de uma parte da canalização, passando pela necessidade de completar a rede de distribuição da cidade, dado que, em 1927, havia ruas, como a do Ameal, e zonas, como a parte nova da Avenida da Boavista, onde ainda não existia canalização de água.Finalmente, o último conjunto de medidas tomadas para resolver o problema da falta de água incidia no próprio sistema de captação. Neste domínio, foram na altura equacionadas quatro medidas: 1ª) Construir uma barragem no rio Sousa, que permitisse o armazenamento de, pelo menos, 1.500.000 metros cúbicos de água, a fim de compensar a escassez durante a estiagem; 2ª) Aproveitar as águas do rio Douro; 3ª) O aproveitamento das águas de um outro rio - o Tâmega, por exemplo; 4ª) A exploração e canalização das águas do subsolo, no próprio leito do rio Sousa, ou na sua foz, sobre o Douro. Destas propostas, apenas a segunda foi mais tarde concretizada, com a construção da nova captação de água estabelecida no subleito do Douro, nos areais de Zebreiros.Todas estas iniciativas requeriam um considerável investimento financeiro, cujo cálculo rondava os 15.000 contos, verba de que a autarquia não dispunha, tanto mais que já tinha despendido 3500 contos para indemnizar a Companhia das Águas. Só por meio de um empréstimo foi possível obter os recursos para fazer face aos investimentos necessários, embora com o natural aumento dos encargos para a autarquia. Encargos esses que eram ainda mais elevados, dado que foi necessário fazer face a um outro investimento inadiável, relacionado com o custo da melhoria do tratamento da água e também a urgente aquisição de bombas eléctricas para a Central do Sousa - assegurando que ficassem de fora das cheias ordinárias do rio -, o que, no conjunto, obrigava a um aumento das receitas dos recém-constituídos Serviços Municipalizados. Por outras palavras, significava que os mesmos se veriam forçados a recorrer a uma subida no preço da água. Mas, segundo foi declarado, um aumento "sempre muito inferior ao de uma actualização".