Luís Filipe Vieira beneficiado com alterações ao PDM de Lisboa
Director municipal de planeamento trabalhou com o projectista dos antigos
terrenos da Petrogal e em projectos de Vieira no Algarve
a Quando o pedido de informação prévia elaborado por Vaz Pires deu entrada na câmara, em Junho de 2005, os terrenos ainda pertenciam à Petrogal. O seu cliente, porém, era Luís Filipe Vieira: mas o pedido tenha sido assinado por um antigo presidente da EPUL, José Manuel de Sousa, na qualidade de administrador da empresa do Grupo Espírito Santo que gere a Fimes Oriente - um fundo de investimento imobiliário ligado ao presidente do Benfica.Requerendo a informação constitutiva de direitos na qualidade de promitente comprador dos cerca de 70 mil m2 das antigas instalações da petrolífera, designados por Petrogal Sul, aquele fundo era, na realidade, promitente comprador da Inland, uma imobiliária detida a 95 por cento por Luís Filipe Vieira, mulher e filhos. A Inland, por sua vez, ainda não era dona do espaço, sendo apenas promitente compradora num contrato firmado com a Petrogal. O negócio foi fechado notarialmente no dia 2 de Setembro de 2005, mais de um ano depois da publicação das alterações do PDM e três meses depois de o pedido de informação ter dado entrada.
Nos termos da escritura, a Inland pagou à Petrogal 10,2 milhões de euros pela totalidade da propriedade, destinando-a a revenda. Logo a seguir, no mesmo dia, vendeu-a à Filmes Oriente por 12,1 milhões. Embora se tenha tratado de uma operação efectuada no seio do mesmo grupo e habitual entre promotores e fundos, por motivos de natureza fiscal, a operação proporcionou à Inland um ganho imediato de 1,9 milhões.
O grande negócio parece ter sido, todavia, a compra à Petrogal. Na altura estava quase garantida a viabilização de 84.527 m2 de construção (81.283 para habitação e 3243 para comércio), por via da qual os encargos com o terreno ficaram a Vieira por apenas 118 euros o m2 de construção. Basta dizer que já este mês o Estado pôs à venda por 15 milhões de euros, na zona do Palácio da Ajuda, um terreno em que não é possível construir mais de 12.720 m2 (1180 euros por m2). Outro exemplo: a Lismarvila, dona dos terrenos da antiga fábrica de sabões, situados na mesma zona oriental, vendeu-os no ano passado a um fundo por 55 milhões de euros. A propriedade, cuja história tem contornos semelhantes aos da Petrogal Sul, tinha em vias de aprovação 163.000 m2 de construção. Ou seja: 337 euros por m2.
Vieira comprou por um décimo do preço pelo qual o Estado pôs à venda, no princípio deste mês, uma quinta da Ajuda
a A viabilização de um loteamento de grandes dimensões em terrenos adquiridos por Luís Filipe Vieira à Petrogal, nas imediações da Expo, teve por base um projecto elaborado por um atelier de arquitectura com o qual o director municipal de Planeamento Urbano da Câmara de Lisboa, Fernando Pinto Coelho, colaborou durante muitos anos. Pinto Coelho foi um dos principais responsáveis pela alteração do Plano Director Municipal (PDM)de Lisboa que, em 2004, tornou possível a aprovação de projectos como os que o presidente do Benfica tem para aquele e outros terrenos industriais da zona oriental da cidade.
O director municipal nega que as alterações ao PDM tenham algo que ver com interesses de Vieira, mas confirma que trabalhou para ele no Algarve e que mantém estreitas relações com o arq.º José Vaz Pires, que define como o seu "melhor amigo", com o qual assinou muitos projectos em co-autoria, sendo co-proprietário, com ele e um colega, da vivenda do Restelo onde funciona o seu atelier.
Em todo o caso, garante, não teve qualquer intervenção no deferimento, em Novembro passado, do pedido de informação prévia subscrito por Vaz Pires.
Em consequência da proposta então aprovada pela maioria camarária, vai ser possível construir nas antigas instalações da Petrogal na Rua da Centieira um total de 674 fogos, além de 3243 m2 de lojas. O pedido de informação prévia do loteamento, que foi apresentado em Junho de 2005, salientava na sua memória descritiva que "corresponde a um trabalho iniciado há ano e meio e vem no seguimento da publicação das alterações em regime simplificado [ao PDM] levadas a cabo pela autarquia e que permitiram as condições técnico-legais para desenvolvimento desta proposta".
Graças a essas alterações, o artigo 64 do regulamento do PDM passou a permitir que as "áreas consolidadas industriais" - como é o caso - sejam ocupadas por "superfícies comerciais, serviços, habitação e equipamentos colectivos", embora tenham que continuar a ser "predominantemente" ocupadas com indústria.
Até aí era possível fazer alguma habitação e comércio, mas essas construções não podiam em caso algum ultrapassar os 30 por cento da superfície construída.
Segundo Fernando Pinto Coelho - que trabalhava nos Espaços Verdes até ser convidado por Carmona Rodrigues para director do planeamento -, as alterações aprovadas em Setembro de 2003 (com o voto contra do PCP e a abstenção do PS) e publicadas em Março de 2004 foram decididas para "reconverter certas áreas obsoletas e trazer novos habitantes" a Lisboa.
O próprio Governo, acrescentou, deu instruções para que essas alterações fossem feitas, por forma a adequar o PDM ao plano regional de ordenamento do território.
Publicadas as alterações, os proprietários das diversas parcelas industriais ficaram com os seus terrenos valorizados. Mas nem todos passaram a poder beneficiar por igual com elas. Embora o novo texto do regulamento nada diga nesse sentido, os serviços camarários passaram a interpretá-lo como se a predominância dos usos industriais - ou seja, a obrigação de os manter em 50,1 por cento dessas áreas - se se medisse em relação à totalidade da zona oriental e não em relação a cada uma das parcelas, ou até das diferentes manchas industriais.
Quer isto dizer que das alterações efectuadas beneficiam, antes de mais, os primeiros a chegar.
Como boa parte destas áreas está há muito ocupada com usos terciários que não vão ser abandonados, e como Vieira comprou e está a comprar outras parcelas na zona, tudo indica que será ele - que o PÚBLICO não conseguiu contactar - o grande beneficiário da polémica alteração do PDM de Lisboa.